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| Foto: Lula Marques/Agência PT

Um impasse imoral se estabeleceu entre os poderes Executivo e Judiciário. O Supremo Tribunal Federal e o presidente Michel Temer haviam concordado que, se o Congresso Nacional aprovasse o aumento de 16% para os magistrados da mais alta corte do país, o auxílio-moradia pago hoje a todos os juízes seria logo derrubado. O Senado deu sua contribuição à negociata em 7 de novembro, quando aprovou o projeto de lei que concede o reajuste, apesar de o dinheiro não estar previsto na lei orçamentária. Agora, Temer e o Supremo aguardam que a outra parte dê o primeiro passo.

O presidente da República dá sinais de que gostaria de ver uma ação concreta do Supremo para acabar com o auxílio-moradia, antes de sancionar o reajuste. Já o ministro do STF Luiz Fux, o maior responsável por esta farra em curso com o dinheiro do contribuinte, disse à TV Globo no dia 12 que “tão logo implementada a recomposição, o auxílio cairá” – ou seja, primeiro vem a sanção presidencial, depois o Supremo fará algo a respeito do benefício. Enquanto isso, a indignação popular com tudo o que envolve a concessão desse reajuste só cresce.

A mensagem que o Supremo passa à sociedade é a de que só fará seu trabalho, que é o de julgar, se receber o reajuste

Ainda que Temer seja um dos responsáveis pelo acordo feito com o Supremo, só existe uma solução, da sua parte, que preserve a decência no trato com a coisa pública: o veto ao projeto aprovado pelo Senado. O custo que ele terá aos cofres públicos – estimado entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões em 2019 – só virá piorar um déficit que já está em patamares totalmente insustentáveis, sem falar no fato de essa verba não estar contemplada na LDO, fazendo deste reajuste uma violação do parágrafo 1.º do artigo 169 da Constituição, que veda reajustes que não estejam antes previstos na lei orçamentária.

Mas o papel mais lamentável neste episódio é, sem dúvida, o do Supremo. A ação sobre o auxílio-moradia está pronta para ir a julgamento já há quase um ano: em dezembro de 2017, Fux a liberou para ser colocada na pauta da corte, mas a retirou em março deste ano. Portanto, a mensagem que o Supremo passa à sociedade é a de que só fará seu trabalho, que é o de julgar, se receber o reajuste; do contrário, nada feito. Uma chantagem com o dinheiro do brasileiro que paga seus impostos para que as instituições cumpram seu papel corretamente, e que fica ainda mais absurda quando é evidente a inconstitucionalidade do auxílio em sua forma atual – pago em valor fixo a todos os juízes, mesmo os que têm imóvel próprio no local onde trabalham.

Leia também: O Senado aprova a negociata (editorial de 8 de novembro de 2018)

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E, como se todo esse imbróglio já não fosse suficientemente imoral, as associações de magistrados já se movimentam para tirar ainda mais dinheiro do contribuinte. O jornal O Globo informou que as entidades veem o reajuste de 16% como mera recomposição de perdas inflacionárias, e que o fim do auxílio-moradia representaria, então, uma perda. Por isso, querem ver de volta a gratificação por tempo de serviço, que estava prevista na Lei Orgânica da Magistratura, mas já foi incorporada ao salário dos juízes por meio de emenda constitucional em 2003. Trata-se de um escárnio duplo: primeiro, porque as associações de magistrados diziam, para quem desejasse ouvir, que o auxílio-moradia era uma maneira de compensar a ausência de reajustes e, portanto, se o aumento for concedido, não há mais o que pleitear; segundo, como a gratificação por tempo de serviço original já está incorporada aos salários há 15 anos, recriá-la significaria estabelecer, na prática, um pagamento em dobro.

Todo o episódio do auxílio-moradia, com os desdobramentos que ele ainda haverá de ter, é uma página negra na história da magistratura nacional, em que o corporativismo cegou até mesmo pessoas preocupadas com o bem comum. Juízes que já estão no topo absoluto da pirâmide de renda nacional passaram a buscar sofregamente penduricalhos que superam o salário mensal da maioria dos trabalhadores brasileiros, colocando seus pleitos acima da própria Constituição e ameaçando até mesmo, por meio de greves e paralisações, privar o brasileiro da administração da justiça, tudo isso com a complacência, quando não o apoio explícito, da mais alta corte do país. É preciso urgentemente recuperar o bom senso e colocar o país acima dos interesses patrimonialistas.

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