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| Foto: Pedro França/Agência Senado

No começo da noite de quarta-feira, dia 7, o Senado jogou mais uma bomba no colo da equipe econômica do presidente eleito, Jair Bolsonaro, ao aprovar projeto que reajusta os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Graças ao voto de 41 senadores, os magistrados passarão a receber R$ 39,2 mil, contra os R$ 33,7 mil atuais. O mesmo reajuste foi concedido ao cargo de procurador-geral da República, hoje ocupado por Raquel Dodge – mas, neste caso, a votação foi simbólica, em que o presidente da casa apenas pede aos favoráveis ao projeto “que permaneçam como estão”, para quase que imediatamente proclamar o resultado, antes que alguém ouse não permanecer como está.

O projeto que reajusta os vencimentos dos ministros tinha sido enviado ao Congresso em 2015, quando o presidente do Supremo era Ricardo Lewandowski. Tinha sido aprovado na Câmara em 2016 e parou no Senado, até porque Cármen Lúcia, que sucedeu Lewandowski no comando do STF, nunca foi favorável aos reajustes. Demonstrando um bom senso raro entre membros dos três poderes quando o tema é o uso do dinheiro do contribuinte, ela sempre defendeu que, em tempos de crise, cabia também aos ministros dar sua cota de sacrifício pelo equilíbrio fiscal. Mas, em agosto deste ano, ela foi voto vencido quando o plenário da corte resolveu que era hora de pleitear o aumento.

O reajuste não passa de um meio de legalizar um pagamento que era inconstitucional 

O aumento cria um efeito-cascata, já que a remuneração de vários outros cargos, não apenas na magistratura, é atrelada aos vencimentos dos ministros do Supremo. Além disso, há outros servidores que serão beneficiados: aqueles cuja soma de salário e gratificações ultrapassava os R$ 33,7 mil e, por isso, tinham seu contracheque limitado a esse valor. Agora, esses servidores poderão receber mais, até o novo limite de R$ 39,2 mil. A conta? R$ 4 bilhões em 2019, segundo as assessorias da Câmara e do Senado, divididas entre a União e os estados. Uma irresponsabilidade no momento em que o governo federal acumula déficits de dezenas de bilhões de reais, e diversos estados estão em situação fiscal desesperadora.

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Mas o acinte não fica apenas nos valores e no momento em que são aprovados. Muito pior é ver que houve praticamente uma negociata aberta entre o Supremo, o Congresso e o presidente Michel Temer. A diferença entre o salário atual e o aprovado, R$ 4,5 mil, é quase idêntico ao auxílio-moradia que hoje é pago a todos os magistrados do Brasil, em flagrante violação à Constituição. Pelo acordo costurado entre os poderes, se o Senado aprovasse o reajuste, o Supremo finalmente acabaria com o benefício, seja votando as ações que o ministro Luiz Fux convenientemente segurou em seu gabinete por anos, após ter instituído a farra por meio de liminar, seja por meio de um projeto de iniciativa do Judiciário enviado ao Congresso. Ou seja, o reajuste não passa de um meio de legalizar um pagamento que era inconstitucional e tinha sido instituído como uma maneira torta de compensar a falta de reposições salariais ao longo dos anos – algo que as próprias associações de magistrados reconhecem abertamente, em uma triste página da história do Judiciário nacional em que o corporativismo prevaleceu sobre o interesse público.

O correto seria simplesmente negar o aumento e acabar de vez com o auxílio-moradia, mas isso exigiria uma coragem que, no momento, anda rara em Brasília. O projeto aprovado pelo Senado está agora na mesa do presidente Michel Temer, que, tendo sido um dos negociadores do acordo com o Supremo, muito provavelmente irá sancioná-lo. Se realmente o fizer, o presidente que já vê a porta de saída do Planalto colaborará para dificultar o trabalho de seu sucessor e apresentará um desfecho decepcionante para um mandato que começou sob o signo do ajuste fiscal.

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