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Uma reforma política ampla e séria continua sendo um sonho. É a pro­­messa que insiste em não se tornar realidade. Enquanto isso, infelizmente, a sociedade brasileira acaba por ter que se contentar com uns remendos aqui e outros acolá. Uns acertados e outros nem tanto.

É o que se pode constatar com o projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados no último dia 8 de julho e que segue agora para discussão e votação no Senado Federal.

No projeto aprovado há de tudo um pouco. Por isso mesmo, como a colcha de retalhos é grande, serão aqui analisadas apenas as modificações mais relevantes envolvendo a rede mundial de computadores, mais conhecida como internet.

Pois bem, apesar de o Brasil ser, há vários anos, referência tecnológica nos sistemas de votação e de apuração de resultados em eleições, o fenômeno "internet" sempre foi tratado de uma forma bastante tímida e equivocada pela legislação em vigor.

Entretanto, com o projeto recentemente aprovado pela Câmara, é possível dizer que a timidez se foi. Todavia, por razões que ferem de morte a lógica e a coerência, permanece o equívoco.

A timidez se foi porque vários são os dispositivos que, no projeto, mencionam e regulam expressamente questões atinentes à internet. Nessa linha, são louváveis, por exemplo, as regras que tratam do exercício de direito de resposta em caso de ofensas veiculadas pela rede. São também dignas de aplauso as alterações que passam a permitir a propaganda eleitoral por meio de mensagem eletrônica, bem como por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e assemelhados, desde que gerados ou editados por candidato, partido político, coligação ou pessoas físicas. E, por fim, pela indiscutível dificuldade de fiscalização, também parece acertada a regra proibitiva de veiculação, na internet, de qualquer espécie de propaganda eleitoral paga.

Ocorre que, estranhamente – e daí a razão de se dizer que o equívoco permanece –, os nossos deputados parecem querer contrariar o óbvio. Insistem – porque o equívoco está contido na legislação atual – na re­­gra de que os conteúdos próprios das em­­presas de comunicação social e dos provedores de internet devem observar as normas relativas às emissoras de rádio e de televisão. Não há nada mais incongruente.

As emissoras de rádio e televisão se sujeitam a diversas limitações por uma razão bastante clara e direta: são permissionárias (FMs) e concessionárias (televisões e AMs) de serviço público. Daí a vedação à difusão de opinião favorável ou contrária a candidatos, partidos políticos ou coligações; a vedação a qualquer forma de propaganda eleitoral paga; e assim por diante. São proibições às quais não se sujeitam, por exemplo, jornais e revistas, que se caracterizam como veículos de livre circulação e que independem, portanto, de autorização governamental.

Mas, como é evidente, a internet é ainda muito mais democrática e flexível do que um jornal ou do que uma revista. Quantos já não são, no Brasil, os portais de comunicação e os periódicos exclusivamente eletrônicos? Quantos já não são os jornais e as revistas que veiculam parte de seus conteúdos exclusivamente na internet? Quantas não são as pessoas que jamais teriam condições de arcar com os custos de impressão e de distribuição de um jornal ou de uma revista, mas que hoje, com a internet, podem comunicar-se diariamente com uma infinidade de pessoas?

Essa é a realidade da internet. Uma realidade que, como se pode facilmente perceber, muito pouco se assemelha com a realidade e com o regime jurídico aplicável às emissoras de rádio e de televisão.

Assim, se é inegável que o projeto aprovado na Câmara apresenta avanços, é preciso admitir que, pelo paralelo sugerido – com rádios e televisões –, ele ainda traz consigo uma inadmissível limitação aos direitos de liberdade de expressão, de crítica e de manifestação do pensamento.

Ainda há tempo de se acertar o passo. Cabe ao Senado, que se encontra em trevas, lançar luzes sobre o tema e corrigir o evidente equívoco não desfeito pela Câmara dos Deputados.

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