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"O ladrão que furta para comer não vai, nem leva ao inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior calibre e de mais alta esfera", escrevia no século 18 o padre Antonio Vieira num de seus "Sermões". Os ladrões de que falava eram aqueles que "roubam e despojam os povos". Passados já mais de três séculos, continuam válidas as imprecações que o pregador jesuíta fazia contra os que, servindo-se das facilidades do poder e da posição social, esbulham em proveito próprio os recursos que deveriam ser destinados ao bem-estar coletivo.

Pois é o que infelizmente continuamos vendo. Multiplicam-se Brasil afora denúncias contra desvios de toda ordem e montante, sob as mais diversas modalidades, de recursos públicos – um caudal sem-fim de acontecimentos que, de tão frequentes, já quase não despertam indignação. Anestesiada, a opinião pública acomoda tais fatos no rol das banalidades – mesmo porque seus autores mantêm-se impunes, acima da lei. "Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província", exclamava o padre Vieira.

Inclui-se nessa visão o rumoroso caso do desvio de diárias da Secretaria de Estado da Educação fartamente noticiado durante a semana. Seriam, de acordo com os primeiros cálculos, R$ 800 mil que saíram dos cofres públicos que, em vez de pagar despesas legítimas de viagens a trabalho de servidores da pasta, serviam para custear gastos tão alheios à finalidade quanto, por exemplo, o de pagar por serviços de babá. Grande parte das despesas irregulares era coberta pelo uso dos tais cartões corporativos.

As investigações estão sendo dificultadas: nada menos de 17 toneladas de documentos que poderiam levar à comprovação dos desvios e à responsabilização dos agentes públicos que os cometeram – quer os que abusaram diretamente do uso do cartão, quer seus superiores que não exerciam o controle devido – simplesmente foram roubados de um depósito da Secretaria da Educação. A polícia foi acionada para investigar o paradeiro de tais documentos (se é que eles ainda existem) e descobrir os autores e que interesses os moveram para surrupiá-los do arquivo.

O caso paranaense de mau uso de cartões corporativos não é inédito. Não faz muito tempo, descobriu-se o mesmo tipo de descontrole em nível federal. Instituídos para facilitar a gestão da coisa pública, apressar o pagamento de pequenas despesas emergenciais e franqueados a um círculo restrito de funcionários em cargos de confiança, os cartões acabaram por se tornar o modo mais simples e prático de disseminação da corrupção e do mau uso de recursos públicos de que se tem notícia na história do país.

Descobertos, ministros perderam cargos; um ou outro pequeno funcionário foi levemente punido. Sistemas de controle e de limitação foram instaurados, mas, a despeito das supostas medidas de transparência adotadas pelo governo, ainda não há certeza quanto ao bom e correto emprego dos cartões. Também no Paraná houve sérias denúncias de que fatos da mesma natureza se repetiam no governo estadual, merecendo, porém, apenas respostas diversionistas quando não acintosas aos denunciantes e ao direito da opinião pública e dos contribuintes de ser informados sobre a destinação dos impostos que paga.

As auditorias ainda superficiais feitas na Secretaria da Educação e outras iniciadas em diferentes setores já são suficientes para comprovar a existência e a persistência de irregularidades. O que se espera agora das autoridades é que, ao contrário do que lamentavelmente ocorre no país da impunidade, sejam devidamente identificados e punidos os responsáveis. E não apenas isso, que sejam criadas maneiras mais eficientes de fiscalização dos gastos do dinheiro público para evitar que abusos como esse voltem a ser cometidos em qualquer esfera dos poderes da República.

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