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Há três anos, quando o Instituto Pró-Livro lançou a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil houve quem perdesse a respiração e as estribeiras. Pudera. Os resultados pareciam positivos demais para um país acostumado a índices rastaqueras de consumo de informação. E a culpa era de um critério aplicado pelos pesquisadores, benevolente demais para o País em que livros à mancheias, só se for nos versos de Castro Alves.

Em vez de entrevistar gente acima de 14 anos, como das outras vezes em que a pesquisa foi aplicada, perguntou-se a pimpolhos recém-apresentados à professorinha o que costumavam ler. O resultado deixou a pátria de joelhos. Os pequenos não só leem com gosto como leem muito – tanto que acabaram nos levando a flertar com os índices em níveis franceses, os melhores do planeta.

Não poucos apontaram o resultado alcançado – de mais de 4 livros per capita – como uma distorção grosseira, usada para amenizar nossa ignorância. Sobram indícios de que os reclamantes estavam moralmente certos, ainda que estatisticamente errados. Foi graças à inclusão dos leitores mirins que se pôde chegar a um saldo provocador: caso a conta inclua contos de fadas e a Bíblia, o brasileiro até que se dá bem com os livros.

Graças à participação especial da turma da lancheira, Chapeuzinho Vermelho teve picos de popularidade de fazer inveja à lady Catherine Middleton. O trágico vem nos resultados seguintes: à medida que crescem, nossos brasileirinhos aposentam os livros. Caso abandonem a escola antes do tempo, a situação piora: quem tem menos de 12 anos de estudo raramente se torna leitor.

Deve-se ao sistema de educação o que há de positivo em nossos índices de leitura. Mas a mesma educação não consegue mostrar às crianças e jovens que a vida de leitor independe da escola. A essa esquizofrenia os pesquisadores chamam de "leitura escolarizada", termo que carrega uma sentença.

Ao fazer do livro um instrumento de avaliação – prova, fichas de leitura e até índice de produtividade – as instituições de ensino tendem a matar a leitura desinteressada, cuja regra é o prazer e a imaginação. Não só. A escola incentiva pouco o desenvolvimento de outras camadas de leitura que não a técnica, própria para provas e exercícios. Ler exige prática e entrega, o que inclui dizer em voz alta, fazer as pausas certas, alcançar progressão nos temas e gêneros, fazer escolhas, o que inclui ler em condições adversas – a leitura em público –, cujo efeito sobre quem vê é extraordinário.

Do contrário, a resposta é sempre a mesma: não leio porque não tenho tempo.

O peso não deve recair apenas sobre a escola. Nas entrelinhas, a pesquisa mostra que o Brasil não é uma sociedade organizada em torno do livro e da leitura. Há poucos espaços disponíveis, concentração de acervos nas mãos de uns pingados e negligência de famílias, empresas e igrejas no desenvolvimento de programas. Trata-se de uma atitude previsível: desde a colonização se viu a escola como centro de ação social, reformadora, provedora, objeto de esmola e de pena. E como lugar desimportante, status do qual nossas escolas feias são uma boa tradução. A leitura vista como algo funcional e transitória é parte dessa mentalidade.

Pode-se mudar essa história. O levantamento do Pró-Livro e o recém-publicado Retratos da Leitura do Paraná – versão local do mesmo trabalho – dão pistas sobre o que pensam, o que querem e como agem os nossos leitores. Uma das maiores urgências, latentes nas duas pesquisas, é que não se vira essa página sem afirmar a mentalidade de "sociedade leitora". Não se chega a esse conceito sem a popularização da figura do "agente de leitura", nos moldes do extinto Proler da Biblioteca Nacional.

Para quem não se lembra, o Proler promovia a formação de propagadores da "boa" leitura. Podiam ser donas de casa, arquitetos, padres – sem distinção. O ex-deputado Marcelo Almeida, idealizador da pesquisa paranaense, criou o "Conversa entre amigos", programa de difusão que reabilita, a seu modo, o ideário do Proler.

São boas políticas, que podem inspirar o poder público e o setor empresarial a tomar essa causa. Mas há, ainda, uma outra barreira – a da paciência. O mundo corporativo populariza, cada vez mais, a necessidade de resultados e metas de curto prazo, atropelando áreas sensíveis, cuja pressa só pode é reforçar a mediocridade. A leitura é uma delas. Não se pode esquecê-la. Não se pode condená-la aos trabalhos forçados. Suas armas é a sedução – não se admite gestos bruscos nem pouco caso. O que se promete ao leitor é de fato o melhor dos mundos.

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