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Um dos princípios fundamentais da democracia – a liberdade de imprensa – está sendo posto à prova nestes tempos de eleição presidencial. Em um momento em que denúncias de atos de improbidade chegam às portas da Casa Civil da Pre­­sidência da República, agora é a vez de a sociedade or­­ga­­nizada expressar suas opiniões sobre o tema. Ontem, juristas, ex-ministros, intelectuais e políticos da oposição lançaram em frente da Faculdade de Direito do Lar­­go de São Francisco (USP), no centro de São Paulo, o "Ma­­nifesto em Defesa da Democracia". Hoje, é a vez de lideranças sindicais, movimentos sociais de apoio ao gover­­no, MST e a União Nacional dos Estudantes realizarem o chamado "Ato Contra o Golpismo da Mídia". O debate público é necessário, mas soa estranho que denúncias de irregularidades sejam consideradas "golpismo" tão rapidamente, sem que sejam dadas explicações satisfatórias dos envolvidos.

A liberdade de imprensa e de expressão nunca foi tão discutida no Brasil desde o período da ditadura militar. Os motivos desse debate intenso são as recentes denúncias que ligam a Casa Civil da Presidência a tráfico de influência. O caso derrubou a ministra Erenice Guerra, cujo filho atuava em lobby para aprovar projetos dentro do governo, mediante cobrança de altas comissões. Erenice era sucessora e braço direito da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, potencial prejudicada pelo escândalo.

A quebra de sigilo fiscal de cidadãos – entre eles, diri­­gentes do PSDB nacional – por funcionários da Receita Federal integra também o quadro de denúncias que vêm sendo divulgadas pela imprensa, levando, inclusive, Lula ao programa eleitoral de Dilma Rousseff, para de­­fendê-la e para culpar a oposição. Lula deixou de defender as instituições para defender o partido. Vítimas acabaram sendo transformadas em algozes.

É esse o quadro que merece ser analisado. O debate da liberdade de imprensa em uma sociedade democrática começa a ser partidarizado quando manifestantes transformam denúncias publicadas pelos meios de comunicação em um "Ato Contra o Golpismo da Mídia". O ato ocorre hoje no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e está sendo capitaneado pelas lideranças sindicais e por setores dos movimentos sociais, com o apoio dos partidos aliados ao governo, entidades de militância pró-governo, como centrais sindicais, MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e União Nacional dos Estudantes. Melhor do que denunciar suposto golpismo seria que esses setores cobrassem explicações que demonstrassem a inexistência de irregularidades. Até porque as denúncias atingem interesses de toda a sociedade.

O papel fiscalizador da mídia ser alvo de crítica é algo estranho num Estado Democrático de Direito. Os meios de comunicação têm o dever de fiscalizar e debater quaisquer atos governamentais. Os excessos, quando existentes, devem ser coibidos pelos meios legais, mas somente após os fatos apurados terem sido divulgados.

Daí a importância da manifestação ocorrida ontem quando juristas, ex-ministros, intelectuais e políticos da oposição lançaram no centro de São Paulo, o "Ma­­ni­­festo em Defesa da Democracia". Centenas de pessoas es­­tiveram no ato, que teve a participação de personalidades, como o jurista e ex-prefeito de São Paulo Hélio Bicudo e os ex-ministros da Justiça Miguel Reale Júnior e José Gregori.

No que se refere aos comentários que Lula tem feito contra a imprensa, é consenso entre os assinantes do manifesto que o presidente extrapola seu papel institucional ao atacar seus adversários investido do prestígio do cargo. "Ele (Lula) tenta desmoralizar a imprensa, tenta desmoralizar todos os que se opõem ao seu poder pessoal. Ele tem opinião, mas não pode usar a máquina governamental para exercer essa opinião", disse Bicudo. "Em uma democracia, nenhum dos Poderes é soberano. Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo. Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, os inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático", afirmou Bicudo.

Os juristas foram além. O ex-ministro da Justiça Mi­­guel Reale Júnior, chegou a afirmar que a democracia es­­tá ameaçada. "Basta entrar nos sites do PT para ver as ameaças que estão sendo feitas a jornalistas, para saber qual o órgão de imprensa que tem de ser empastelado primeiro. Ou seja, há um clima de radicalização."

Miguel Reale Jr. tem razão quando afirma que há um clima de radicalização. A defesa do governo contra os meios de comunicação, feita por determinados setores dos movimentos sociais, é algo estranho, pois defende-se o governo federal de denúncias que o próprio governo não consegue dar respostas satisfatórias. O debate da liberdade de imprensa está ficando cada vez mais contaminado pelo viés eleitoral. Entretanto, cabe à sociedade impedir que, independentemente do partido que esteja no poder, ela seja limitada. Nesse sentido, a manifestação de ontem contribui mais do que a de hoje.

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