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A redução de 13% na colheita de trigo neste ano trouxe à tona um problema antigo que o Brasil tenta superar há mais de uma década sem sucesso. Apesar de sobrar espaço para o cultivo do cereal e de a colheita nacional avançar ano após ano em qualidade e competitividade, o país continua importando metade dos 10,5 milhões de toneladas necessárias para o abastecimento interno. Essa contradição força o país a reavaliar não só a política de produção, mas também sua postura diante dos parceiros do Mercosul, que vêm impondo limite à triticultura brasileira.

A safra nacional caiu principalmente porque os triticultores do Paraná reduziram o plantio. O estado é o maior produtor nacional e dedicou 1 milhão de hectares ao cereal, com recuo de 10%. O alimento perdeu espaço para o milho e até para o que os agricultores chamam de cobertura de inverno – plantações de aveia ou nabo, por exemplo, que não chegam a ser colhidas, servindo para acúmulo de palha, ou seja, não oferecem renda ao produtor.

Isso demonstra como o risco de prejuízo com o trigo limita a safra nacional, que está caindo de 5,88 milhões para 5,13 milhões de toneladas neste ano, conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Colheita menor, estoques em queda, importações crescentes. Essas tendências seguem o curso inverso ao planejado nos últimos anos. Mostram que o plano de ampliação da produção interna, defendido pelos governos estadual e federal e pela iniciativa privada não está sendo colocado em prática.

Para o consumidor, tudo estaria bem se esse quadro significasse redução de preços. Porém, no médio e no longo prazo, a dependência externa, no caso de um alimento tão essencial, tende a ser nociva à economia. Sem abastecimento interno, os preços nos supermercados vão sempre refletir os solavancos das cotações internacionais. Uma quebra de safra na Rússia, no Canadá, nos Estados Unidos ou na Argentina pode elevar o custo de vida do brasileiro imediatamente.

Além disso, o agronegócio perde a oportunidade de estruturar a triticultura e gerar mais renda no campo. Cultura de alto risco, o trigo ainda ocupa 2,1 milhões de hectares graças aos programas do governo federal que garantem preço mínimo – valor que cobre os custos. Porém, o que estimula a produção, obviamente, é o lucro, que depende de uma série de medidas. O produtor não tem a infraestrutura necessária para reduzir seus custos nem conta com liquidez na hora que tira a produção do campo.

Concentrada 90% no Sul do país, a colheita ocorre entre agosto e dezembro, período em que a oferta se torna bem maior que a demanda na região. Nesta época, o poder de barganha fica nas mãos dos moinhos, que não esperam a chegada da produção nacional ao mercado para carregar estoques, apelando para a qualidade e o preço do produto estrangeiro. Muitas vezes, simplesmente dispensam a produção interna, frustrando ano após ano o setor produtivo.

A própria indústria admite que o livre comércio coloca o Brasil nas mãos dos mercados externos. Quando a produção cai na Argentina, o governo de lá limita as exportações e bloqueia os negócios. Ou seja, para Buenos Aires, pouco importa se a população brasileira tem de gastar mais para comprar seu pão. Os moinhos instalados no Brasil não abrem mão de comprar do fornecedor que estiver praticando os menores preços. O que é compreensível. Porém, os preços externos atraentes refletem mais do que custos de produção reduzidos. Estão ligados à política de exportação. A importação de farinha com mistura – que paga menos imposto – é uma prática conhecida no Brasil, que ajuda a minar o plano de estruturação da produção nacional de trigo.

É preciso que o trigo brasileiro dê lucro para que a própria cadeia estimule pesquisas de variedades mais produtivas e de qualidade. Estamos em 3 mil quilos por hectare, enquanto em campos da Europa colhe-se três vezes mais. O apoio público à comercialização é essencial, mas não basta. É preciso financiar armazéns para estocagem em época de preços baixos. Estradas em boas condições reduziriam custos. O transporte marítimo entre portos brasileiros – do Sul para o mercado consumidor do Nordeste – não deveria custar mais do que o transporte marítimo internacional.

Enquanto esses problemas estruturais continuarem a pesar nas contas dos produtores, o trigo deverá perder espaço para outras culturas. Aliás, essa é a tendência para o próximo inverno, a julgar pelo bom momento atual do milho. E o consumidor é que pagará o preço do "livre" mercado, que limita a produção nacional. O país não precisa forçar a produção de um trigo mais caro que o importado, mas sim tornar a cadeia da farinha brasileira viável.

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