Quando amigos e aliados políticos ou ideológicos são pegos em atos tão hediondos que não há como negar a sua maldade, a esquerda saca da cartola o truque da “equivalência moral”, inaugurado por ela própria durante a Guerra Fria para tentar calar as críticas norte-americanas ao totalitarismo soviético. Nesta falácia, admite-se que o lado “favorito” cometeu erros, mas ato contínuo afirma-se que o “outro lado” é igualmente culpável pela situação ou pratica os mesmos atos. Ainda antes de ser eleito presidente da República, Lula já tinha abusado da equivalência moral no caso da guerra na Ucrânia: para defender seu amigo Vladimir Putin, o petista afirmou em 2022 que o ucraniano Volodymyr Zelensky era “tão responsável” pela guerra quanto o autocrata russo, e em 2023 repetiu a dose ao dizer que “a decisão da guerra foi tomada pelos dois países” e que Zelensky “não toma a iniciativa de parar”, como se o ucraniano devesse simplesmente desistir de defender seu país diante de uma agressão unilateral russa.
Mas, como também no fundo do poço moral existe uma pá, Lula se encarregou de descer ainda mais. Ao sancionar uma lei, no dia 13, e na live semanal do último dia 14, o presidente da República não economizou nos ataques a Israel. Seguindo o roteiro da falácia da equivalência moral, disse na live que “é verdade que houve um ataque terrorista do Hamas, e que condenamos desde o início” – o que não é muito preciso, já que as reações iniciais do Itamaraty e do chanceler de facto, Celso Amorim, foram bastante pífias –, mas deixou claro que a admissão sobre o Hamas servia apenas para atenuar a verdadeira acusação: “Israel fazendo o que está fazendo com hospitais, crianças e mulheres [...] é uma atitude igual ao terrorismo. Não tem como dizer outra coisa. Se eu sei que tá cheio de criança naquele lugar, pode ter o monstro lá dentro, eu não posso matar as crianças porque eu quero matar o monstro. Eu tenho que matar o monstro sem matar as crianças”, disse. Na véspera, havia dito que “depois do ato de terrorismo provocado pelo Hamas, as consequências, a solução do Estado de Israel é tão grave quanto foi a do Hamas, porque eles estão matando inocentes sem nenhum critério”.
No fundo, Lula valida a estratégia do monstro, que, ao forçar a permanência das crianças em um local onde há um alvo militar camuflado sob uma estrutura civil, tornaria esse lugar intocável aos israelenses, que teriam de simplesmente se abster de qualquer ação
Não há bom senso nenhum no mundo que permita igualar Israel e Hamas. Os terroristas palestinos pregam a eliminação do Estado de Israel, atacam civis judeus de forma indiscriminada e brutal, abusam de seu próprio povo ao usá-lo como escudo humano e cometem inúmeros crimes de guerra, inclusive ao usar instalações civis como hospitais em Gaza para estocar armas e manter até mesmo centros de comando. Israel, por outro lado, no exercício do seu direito de defesa contra a ameaça do terrorismo, abre mão do elemento surpresa ao anunciar bombardeios para que os palestinos possam deixar o local marcado para ataque, e antes da invasão terrestre deu um prazo para que a população civil se deslocasse para o sul da Faixa de Gaza.
Obviamente, isso não equivale a dizer que Israel está isento de cometer crimes de guerra em sua ofensiva para aniquilar o Hamas – se houver crimes, deverão ser devidamente investigados e punidos. Mas não há como ignorar que é o Hamas que faz os palestinos de reféns e escudos humanos, criando a situação que torna qualquer ação israelense potencialmente letal para pessoas inocentes, apesar dos esforços de Israel para que isso não ocorra. Para usar a analogia de Lula, as forças israelenses não estão lidando simplesmente com um local onde há “monstros” e “crianças”, mas com um local de onde os monstros não deixam as crianças saírem. O que Lula propõe, no fundo, é a validação da estratégia do monstro, que, ao forçar a permanência das crianças em um local onde há um alvo militar camuflado sob uma estrutura civil, tornaria esse lugar intocável aos israelenses, que teriam de simplesmente se abster de qualquer ação, inclusive a de tentar “matar o monstro sem matar as crianças”. A fala lulista é apenas uma versão mais tosca de certos pedidos de cessar-fogo que, no momento, só serviriam para o Hamas se reagrupar e recuperar forças.
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Cadáveres de crianças, mulheres e idosos palestinos não interessam a Israel; interessam, sim, ao Hamas, que com isso ganham munição no front midiático e recrutam mais militantes sedentos por vingança. Se os terroristas de fato se importassem com as vidas dos palestinos, não impediriam que os civis inocentes buscassem refúgio longe da zona de conflito; na verdade, nem sequer provocariam a resposta de um poder militar muito superior, e em vez disso tentariam estabelecer alguma convivência pacífica. Mas isso é algo que o Hamas definitivamente não quer, pois seu objetivo é varrer Israel e os judeus do mapa, implantando no lugar um regime que certamente seria um inferno para as minorias identitárias de esquerda que hoje não hesitam em declarar apoio ao terror.
Com sua fala, prontamente repudiada por inúmeras entidades judaicas brasileiras – mas não apenas por elas –, Lula diminui ainda mais o Brasil diante do mundo livre e se alinha com o que há de pior na comunidade internacional ao, na prática, tomar o lado do Hamas. Nada surpreendente, no fim das contas, para alguém que defende ditadores carniceiros na América Latina e fora dela, pronto a justificar e relativizar tudo quando se trata dos parceiros de ideologia ou dos que tenham adversários comuns, como os Estados Unidos ou Israel. E, quando as atrocidades desses amigos ou “inimigos do meu inimigo” são tamanhas a ponto de inviabilizar qualquer justificativa, sempre restará a mentira que iguala o que não há como ser igualado.
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