
Nesta terça-feira, o advogado-geral da União, Jorge Messias, confirmou que o governo irá ao Supremo Tribunal Federal para conseguir no tapetão o desejado aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Para isso, o Planalto quer que o STF derrube o Decreto Legislativo 176/2025, que o Congresso aprovou no fim de junho e que anulou o ato do Poder Executivo que elevava as alíquotas. Já existem outras duas ações sobre o tema na suprema corte: uma do Psol (que, ao lado da Rede, costuma agir como “departamento jurídico” do petismo), com pedido idêntico ao do governo; e outra, do PL, anterior à aprovação do decreto legislativo, que contestava o ato original do governo, aumentando o IOF. Estas duas ações já têm relator designado, o ministro Alexandre de Moraes; muito provavelmente, a ação do governo deve ser também entregue a ele.
A Constituição permite que o Congresso possa “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”, como diz o inciso V do artigo 49, e o meio para fazê-lo é exatamente a aprovação de um projeto de decreto legislativo (PDL). A chave, aqui, é a expressão “que exorbitem do poder regulamentar”, já que o Legislativo não pode (nem deveria poder) derrubar todo e qualquer ato do Executivo, do contrário a independência entre os poderes estaria comprometida. A pergunta que o STF terá de analisar, portanto, é se o governo extrapolou seus poderes ao elevar as alíquotas do IOF.
Lula está duplamente errado: ao insistir no aumento de impostos para fechar as contas, e ao judicializar uma decisão do Congresso após uma derrota acachapante
As regras gerais sobre impostos federais estão nos artigos 153 e 154 da Constituição, e o parágrafo 1.º do artigo 153 diz que “é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas” de certos impostos, incluindo o imposto sobre “operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários”, descrito no inciso V do mesmo artigo – é o que define o IOF. A questão, no entanto, não termina aí, pois a doutrina e a jurisprudência reconhecem a existência de impostos arrecadatórios e regulatórios. Os primeiros têm como objetivo principal abastecer os cofres da União, como o próprio nome diz; os segundos, embora obviamente também tragam divisas para o governo, têm a função primária de incentivar ou coibir comportamentos, ou corrigir distorções: é o caso dos impostos de importação e exportação, ou do futuro Imposto Seletivo ou “imposto do pecado”, aprovado na reforma tributária e que servirá para desestimular o consumo de produtos tidos como prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Também o IOF pertence à categoria de imposto regulatório; como consequência dessa classificação, eventuais aumentos de alíquotas (que o governo pode realizar por conta própria) só se justificam se houver motivos ligados à regulação do mercado financeiro; o IOF poderia subir, por exemplo, para evitar um ataque especulativo contra o real, ou para frear os gastos de brasileiros no exterior de forma que eles consumam mais produtos nacionais ou prefiram viajar dentro do país – se a justificativa faz sentido, pouco importa; basta que ela tenha caráter regulatório. Mas não foi o que ocorreu com o aumento recente: em nenhum momento o ministro Fernando Haddad escondeu que o único objetivo da elevação era achar os cerca de R$ 20 bilhões necessários para fechar as contas do governo e cumprir a meta fiscal deste ano, e só. Na falta de opções mais viáveis para arrancar mais dinheiro do contribuinte, o IOF surgiu como uma alternativa fácil.
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Em outras palavras, um imposto de natureza regulatória foi elevado com objetivos puramente arrecadatórios, em uma espécie de “desvio de função”. Um “ato normativo do Poder Executivo que exorbita do poder regulamentar”, para usar as palavras do artigo 49 da Constituição, e que por isso pode ser derrubado de forma legítima pelo Congresso Nacional. Foi o que os parlamentares fizeram por meio de uma maioria avassaladora no fim de junho, impondo a Lula uma derrota inédita em todos os seus três mandatos, já que o último presidente a ter um ato anulado por meio de decreto legislativo havia sido Fernando Collor, em 1992.
Lula, portanto, está duplamente errado. Primeiro, ao insistir na via do aumento da arrecadação para conseguir os bilhões de que precisa desesperadamente, em vez de cortar gastos; segundo, por judicializar uma decisão do Congresso após uma derrota acachapante. “A gente perde uma coisa no Congresso Nacional e, em vez de aceitar as regras do jogo democrático de que a maioria vença e a minoria cumpra o que foi aprovado, a gente recorre a outra instância para ver se a gente consegue ganhar. É preciso que a gente pare com esse método de fazer política”, disse o petista a governadores logo no início de seu terceiro mandato. A frase está correta, mas Lula, hipócrita como sempre, nunca se empenhou em fazer o que dizia, pois o governo jamais deixou de pedir socorro ao STF quando perdeu no Congresso.
E a esquerda judicializa tudo porque sabe que esta é uma estratégia que costuma funcionar. O Supremo já entregou outras vitórias recentes a Lula em pautas econômicas, contrariando a letra de leis aprovadas no Legislativo ou a jurisprudência da própria corte. Mesmo quando teve de recuar, como no caso das indicações políticas que violavam a Lei das Estatais, o STF ainda deixou que fossem mantidas as nomeações contra legem feitas durante o período de vigência de uma liminar. É com essa camaradagem que Lula conta, mais uma vez, para conseguir impor a própria vontade sobre o desejo da população, cansada de pagar mais impostos, e do Congresso eleito por esse mesmo povo.



