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O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, acaba de perpetrar mais um daqueles atos destinados a sacramentar o que ele chama de "socialismo do século 21", fruto da "doutrina bolivariana" – seja lá o que isso for – que espera, um dia, ver implantada em toda a América Latina. Na semana passada, nesse caminho, ele expropriou um hotel da cadeia Hilton, situado na Ilha Margarita, paradisí­aca localidade venezuelano-caribenha que atrai milhões de turistas do endinheirado mundo capitalista que ele combate. É o segundo estabelecimento da rede hoteleira a sofrer o confisco do governo venezuelano.

Esta não é, no entanto, salvo por seu valor simbólico, a mais importante medida tomada por Chávez para colocar nas mãos do Estado a economia do seu paí­s. Nesse quesito, expropriações mais importantes ocorreram antes: instalações petrolíferas de multinacionais, de uma indústria cimenteira, de grandes empresas de alimentos, siderúrgicas, geradoras de energia elétrica, bancos, florestas...

Tudo isso sem falar de outros atos que agregam caráter ainda mais grave ao regime que, com mão de ferro, com os maus modos que lhe são caracte­­rí­s­­ticos e atropelando regras democráticas, busca também controlar, além da economia, as instituições e a imprensa do seu paí­s. Submete o Judiciário e o Legislativo, cassa concessões de rádio e televisão que lhe fazem oposição, promove plebiscitos enganosos que, "constitucionalmente", permitem-lhe permanecer ad aeternum na Presidência.

Trata-se de um problema que diz respeito tão somente à Venezuela e ao seu povo? Trata-se de uma questão que deva ser olhada com o respeito que os princípios da autodeterminação e da soberania nacional evocam? Não. Estamos falando de um governo que tem dado mostras inequívocas de sua propensão hegemônica, atuando, interferin­­do, prestando "ajuda" a vizinhos pobres em troca de sua adesão ao bolivarianismo. A Bolívia de Evo Morales, o Equador de Rafael Correa, o Para­­guai de Fernando Lugo são suas conquistas mais evidentes. Há ainda o apoio dos irmãos Castro, de Cuba. E não passa despercebida a crescente dependência que hoje aprisiona a outrora orgulhosa Argentina dos Kirchner.

Pois bem: discute-se atualmente no Brasil se de­­vemos ou não aprovar o ingresso pleno da Vene­­zue­­la ao Mercosul. E eis aí­ o ponto que nos indica que o modo como Hugo Chávez governa nos diz também respeito. Na condição de país-lí­der do bloco, faz parte das nossas responsabilidades não interferir nos assuntos internos de cada um dos seus membros, mas coloca-se também o dever de fazer o que for necessário para preservar a credibilidade dessa ainda tão mal ajambrada união econômica.

Há fundamentos para justificar o cuidado com a aproximação chavista. O principal deles é o de que, entre as cláusulas do Tratado do Mer­­cosul, há uma que obriga seus signatários a adotar a democracia e respeitá-la em todos os seus sentidos – inclusive naqueles que dizem respeito à liberdade de opinião e à livre iniciativa. Outro: se o bloco pretende ser parceiro comercial do resto do mundo, é preciso que siga a regra mí­nima de honrar contratos. Eis aí­ dois aspectos que, com meridiana clareza, não estão presentes no governo da Venezuela. Os defensores do bolivarianismo desrespeitam tanto as regras democráticas quanto as leis de mercado – essas últimas com um vigor expresso pelo atropelo de caráter político-ideológico com que o governo chavista promove seus confiscos e expropriações. Haverá quem queira, entre os civilizados, negociar com um bloco econômico contaminado pelo comportamento da Venezuela governada por Chávez? Haverá líder que possa correr tal risco em um cenário em que mesmo as grandes economias ainda tentam se reequilibrar depois do baque sofrido com a crise mundial desencadeada no segundo semestre de 2008?

Por essas razões, o fato de o último ato expropriatório ter atingido, digamos, um objeto menor na constelação dos alvos chavistas, precisa ser posto em perspectiva. Embora o confisco do Hilton consista apenas em mais um emblema da falta de credibilidade e de confiança que seu regime inspira, o fato é preocupante para o Brasil, especialmente neste momento em que, movidos pela confiança que a nossa estabilidade democrática e pelo notável crescimento econômico, grandes capitais se sentem atraí­dos a aqui investir. Não atingimos o ponto ideal, na medida em que há tendências semelhantes às que inspiram os bolivarianos também no governo do presidente Lula. Estamos, no entanto, em caminho melhor do que aquele que Chávez tenta impingir aos pobres da América.

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