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Há certos lugares em que sobram as boas intenções. Acrescente-se mais uma contribuição ao estoque, manifestada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, anteontem, num de seus discursos de posse. Chocado com a ousadia dos criminosos que infestam alguns grandes centros brasileiros, ele propôs mudanças na legislação de modo a que se possa definir como atos de terrorismo autêntico os ataques de quadrilhas contra a população civil e inocente e punir mais duramente seus autores.

De fato, é uma boa intenção. Não se pode duvidar da sinceridade de propósitos do presidente ao colocar o tema sob esse prisma e de se dispor a contribuir para a aperfeiçoar a legislação penal brasileira, de modo a torná-la mais eficaz para dar combate, com mão forte, às gangues comandadas de dentro de presídios e financiadas pelo narcotráfico, pelo contrabando de armas, pelos seqüestros e por toda sorte de outros crimes que desassossegam a sociedade honesta e pacata das nossas principais capitais.

Entretanto, parece-nos que não é exatamente de legislação – ou apenas de legislação – que o país carece para enfrentar o crime. O que mais angustia a população é ver que, apesar das rigorosas leis já existentes, o que impera é a impunidade alimentada por fatores que vão da leniência das autoridades à cumplicidade e à corrupção no interior das forças policiais com o crime; da falta de meios técnico-científicos para a investigação às deficiências metodológicas, de treinamento e de ação policial na elaboração de inquéritos; da precariedade do sistema prisional à morosidade absurda com que se manifesta a Justiça quanto aos casos que lhe chegam.

Há leis no país suficientemente rigorosas para alcançar os malfeitores, para colocar no xadrez os criminosos de todos os matizes. Falta todo o resto. Por isso continuam soltos, desafiando o Estado e a sociedade como um todo, cada vez com maior desenvoltura e inominável violência, como se viu no Rio de Janeiro nos dias finais de 2006 e em São Paulo no fatídico mês de maio. E o fazem porque contam com a certeza de que permanecerão impunes.

Há pelo menos três anos, o governo tenta elaborar uma lei antiterrorismo, com conceitos bem mais largos do que aqueles que usualmente definem os crimes de natureza política, como os atentados hediondos perpetrados por organizações nacionais e transnacionais, de que é exemplo mais evidente a Al Qaeda, de Bin Laden. No Brasil, pretende-se que tal legislação, com previsão de penas mais duras, enquadre como terroristas da mesma espécie os criminosos e suas organizações (PCC, Comando Vermelho etc.).

Não se trata de uma iniciativa fora de propósito uma legislação assim concebida. Mas será certamente tão inócua quanto as leis já existentes, se não for acompanhada de uma radical mudança de comportamento, de uma limpeza ética das forças de segurança pública, de uma reforma completa do sistema prisional, da modernização dos meios de investigação e de contenção do crime.

Na verdade, como disse o bem-intencionado presidente Lula, é preciso que as "barbaridades" testemunhadas pelo Rio e São Paulo sejam combatidas "com a política forte e a mão forte do Estado brasileiro".

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