
O desmonte da Operação Lava Jato que vem sendo levado a cabo desde 2019 passa por três frentes. A primeira, que está sendo executada à perfeição, é a anulação de todos os atos da maior operação de combate à corrupção da história do Brasil; a segunda é a aprovação de leis, ou o afrouxamento de outros diplomas legais, para impedir que novas operações desse tipo ocorram no futuro. E, por fim, a terceira frente é a criminalização ou a punição dos agentes que deram o seu melhor para coibir a ladroagem levada a cabo pelo petismo, em conluio com partidos aliados e empreiteiros amigos. Este esforço de inversão da história não atinge apenas aqueles que trabalharam no núcleo principal da Lava Jato, aquele sediado em Curitiba; também os que investigaram e julgaram o petrolão em outros estados estão sentindo na pele o afã de retaliação: é o caso do juiz Marcelo Bretas.
Na última terça-feira, 3 de junho, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aplicou a Bretas a mais severa das penas que pode impor a um magistrado: a aposentadoria compulsória, em que um juiz é obrigado a deixar de exercer o ofício, embora não perca o cargo e siga recebendo vencimentos proporcionais ao tempo de serviço prestado – o salário só pode ser cassado em caso de condenação judicial transitada em julgado. Os três Processos Administrativos Disciplinares (PADs) a que Bretas respondia tinham relação com sua atuação na Lava Jato no Rio de Janeiro – foi ele, por exemplo, quem condenou o ex-governador Sergio Cabral a penas que, somadas, ultrapassavam os 400 anos de prisão, embora algumas dessas condenações já tenham sido anuladas.
Os pareceres da PGR nos três PADs ressaltam ainda mais a desproporcionalidade na punição aplicada a Marcelo Bretas
A mais ruidosa das acusações feitas contra Bretas envolveria um suposto conluio entre o juiz e um advogado, Nythalmar Ferreira, que se gabava de ter acesso fácil a Bretas e procuradores da Lava Jato fluminense – o que lhe rendeu uma notável carteira de clientes. No entanto, como lembrou o ex-procurador e ex-deputado federal Deltan Dallagnol em coluna na Gazeta do Povo, Ferreira não foi capaz nem sequer de oferecer provas que evidenciassem o tal conluio quando tentou fechar acordo de delação premiada, cujo arquivamento foi pedido pelo Ministério Público Federal ao Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, que acatou a solicitação. Durante o julgamento de Bretas no CNJ, a Procuradoria-Geral da República (PGR) também afirmou não ter encontrado provas de conluio.
Os outros dois PADs não são menos absurdos. Um deles questionava a ordem de deflagração da Operação Esquema $, que investigava suposto tráfico de influência no Judiciário e teve entre seus alvos advogados que eram filhos de ministros do Superior Tribunal de Justiça. Ainda que não seja competência do CNJ punir magistrados por decisões judiciais, a ponto de a PGR ter pedido o arquivamento deste PAD, os conselheiros ignoraram esse fato e seguiram adiante com o processo disciplinar. Por fim, Bretas ainda pagou por ter marcado um depoimento de um ex-secretário do então ex-prefeito Eduardo Paes para três dias antes da eleição de 2018, em que Paes tentava se eleger governador do Rio, como se o calendário da Justiça tivesse a obrigação de se submeter ao da política. Também neste caso a PGR não viu irregularidade, sugerindo uma mera suspensão de alguns poucos meses por “imprudência”.
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Os pareceres da PGR nos três PADs ressaltam ainda mais a desproporcionalidade na punição aplicada a Bretas e reforçam a ideia de que está em curso uma verdadeira “vingança” dos corruptos, nas palavras certeiras ditas pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso em 2021 – embora Barroso tenha sido um dos que votaram pela aposentadoria compulsória de Bretas. O CNJ já vinha se notabilizando pela perseguição ideológica a juízes que não compram a cartilha dita “progressista” e pela vigilância política sobre magistrados pela mera presença em grupos de WhatsApp; agora, aplicando ao juiz do Rio as mesmas penas impostas a juízes que, estes sim, cometeram barbaridades no exercício da magistratura, mostra estar também disposto a dar sua contribuição para enterrar o combate à corrupção no Brasil.



