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Não é crível reduzir a sofisticada engenharia financeira urdida na cúpula petista a um mero deslize de caixa dois de campanha

Decorrida a primeira semana de julgamento do mensalão, a se pautar pelos argumentos dos advogados de defesa, os atos criminosos que deram origem ao processo em questão nunca existiram. Peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, evasão de divisas, gestão fraudulenta e formação de quadrilha com o fim de comprar apoio parlamentar no primeiro governo do presidente Lula são crimes que jamais foram cometidos. Fazendo jus aos milionários honorários cobrados para representar os réus, os titulares das mais prestigiadas bancas advocatícias do país quase que em uníssono gastaram saliva e argumentos perante os ministros do Supremo Tribunal Federal para tentar desmontar a acusação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

A noção de que o mensalão era mera peça de ficção saída da cabeça do acusador, baseada unicamente em indícios e com absoluta ausência de provas concretas nos autos, permeou com eloquência as sustentações orais dos defensores. Quando muito, admitiram a existência de caixa dois para o pagamento de despesas de campanha do PT e de partidos aliados. Um crime restrito ao âmbito da legislação eleitoral e, portanto, não cominado penalmente, tese que, se prevalecer, livra os réus do risco de ir para a cadeia.

Simples assim, em um país acostumado a tantos desmandos cometidos pelos seus homens públicos: o caixa dois com fins eleitorais seria, então, um ilícito perfeitamente assimilável. Como se os partidos e seus integrantes não tivessem a obrigação de manter uma postura ética de absoluto respeito à norma eleitoral, o que implica a obrigação de não fazer uso de expedientes contábeis dissimulados. Mas a verdade é que o argumento pueril de que o mensalão nunca existiu e que o dinheiro – ou "recursos não contabilizados", como se convencionou denominar – se destinava unicamente à quitação de dívidas eleitorais não se sustenta.

Por maior que seja a eloquência dos advogados encarregados da defesa dos 38 réus, não é crível reduzir a sofisticada engenharia financeira urdida na cúpula petista a um mero deslize de caixa dois de campanha. O libelo acusatório apresentado pelo procurador-geral Roberto Gurgel é minucioso, completo, revelando em detalhes como funcionou o esquema do mensalão. As fartas evidências apresentadas, fruto de levantamentos periciais, vasto acervo documental, depoimentos de réus e de testemunhas, atestam com clareza meridiana a ação da "organização criminosa" instalada na cúpula do governo lulista, tendo como objetivo a perpetuação do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores.

Para tanto, demonstrou de forma cabal o procurador-geral a existência do que denominou de o "mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro já flagrado no Brasil". Como mentor, apontou o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que, para operacionalizar o golpe, contou com o apoio direto do publicitário Marcos Valério. Além desses dois personagens emblemáticos, o mensalão ainda teve a participação de dirigentes de partidos, parlamentares, banqueiros e empresários, que graças à ação criminosa desviaram quantia estimada em mais de R$ 100 milhões em recursos públicos e empréstimos forjados em instituições financeiras.

O julgamento do mensalão pelo Supremo apenas cumpriu a sua primeira semana de trabalho e ainda é cedo para prever o seu desenlace. Mesmo assim, é possível afirmar que o Brasil se encontra diante de uma encruzilhada: a permanência do atual modelo viciado de se fazer política (caso ocorra a absolvição dos mensaleiros) ou a oportunidade do surgimento de um novo patamar ético na vida pública do país (na hipótese da condenação dos réus). Não há como negar que o sentimento de impunidade que existe há muito nas relações espúrias entre maus gestores públicos e poderosos da iniciativa privada ávidos pelo lucro fácil acaba incentivando as práticas condenáveis. Colocar no banco dos réus José Dirceu, Marcos Valério e companhia é passo importante para a tão necessária higienização das instituições do país. O coroamento, porém, virá com a decisão dos ministros do Supremo, que, espera-se, seja pela condenação dos culpados.

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