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Ao aceitar a Venezuela, o bloco deu uma demonstração irrefutável de que o Protocolo sobre Compromisso Democrático não passa de um instrumento retórico

Os chefes de Estado do Mercosul deram um grande passo para a desmoralização do bloco ontem, quando, durante reunião na Argentina, confirmaram não apenas a suspensão do Paraguai, mas também a inclusão da Venezuela – um pleito antigo de Hugo Chávez, que esbarrava justamente na oposição do Senado paraguaio e se tornou possível com o afastamento do Paraguai, após o impeachment de Fernando Lugo. A atitude dos presidentes Dilma Rousseff, do Brasil; Cristina Kirchner, da Argentina; e José Mujica, do Uruguai, deixou claro que o comprometimento ideológico está acima do zelo pela democracia.

Há muito tempo a Venezuela não pode ser chamada de um país democrático. Hugo Chávez é o equivalente moderno de um caudilho, que submete a si os poderes Legislativo e Judiciário, persegue a imprensa de oposição e se acha no direito de fazer afirmações como "quem não é chavista não é venezuelano", proferida em um ato militar no domingo passado. Ao aceitar a Venezuela nas condições atuais, o Mercosul deu uma demonstração irrefutável de que o Protocolo sobre Compromisso Democrático do bloco não passa de um instrumento retórico, invocado indevidamente quando um parceiro ideológico é removido constitucionalmente do poder, mas ignorado quando se trata de receber de braços abertos ditadores de esquerda.

A atitude dos presidentes em relação ao Paraguai, mantendo a suspensão do país até a eleição presidencial de abril de 2013, também é motivo de preocupação. Se dependesse apenas dos paraguaios, a transição na presidência teria ocorrido praticamente sem solavancos. No dia 20, após um processo relâmpago cuja velocidade é questionável, mas que seguiu a Constituição do país, o Senado aprovou o impeachment de Fernando Lugo; ainda naquela noite, seu vice, Federico Franco, tomou posse e o ex-bispo foi à televisão dizer que, apesar de discordar do veredicto, submetia-se à decisão dos senadores, e pediu aos paraguaios que, caso se manifestassem, o fizessem de forma pacífica. Os primeiros dias pós-impeachment foram tranquilos.

No entanto, outros governantes sul-americanos protestaram com mais veemência que o próprio Lugo. Os maiores críticos do impeachment foram, além de Hugo Chávez e Cristina Kirchner, o boliviano Evo Morales e o equatoriano Rafael Correa – sempre com motivos puramente ideológicos, já que nenhum dos quatro líderes é exatamente um apaixonado pela democracia que diziam defender no caso paraguaio. A decisão que removeu o Paraguai do Mercosul e da Unasul foi tão rápida quanto a que removeu Lugo da presidência. O apoio dos bolivarianos parece ter reacendido no ex-bispo uma esperança de retomar o poder; ao longo da semana passada, Lugo anunciou a formação de um "governo paralelo" e disse que não reconhecia a autoridade de Franco; as manifestações em favor do ex-presidente se intensificaram.

O Brasil, maior potência sul-americana, adotou ao longo da semana uma postura menos enfática, inclusive evitando o termo "golpe" em pronunciamentos e documentos oficiais. A decisão brasileira certamente teria o poder de influenciar os rumos da transição paraguaia: se reconhecesse o novo governo, apaziguaria os ânimos bolivarianos e os dos simpatizantes de Lugo; caso firmasse posição em favor do presidente deposto, daria mais razões ao "governo paralelo" e aos movimentos sociais para intensificarem a instabilidade no Paraguai.

Mesmo sem incluir sanções econômicas, a decisão de ontem, na Argentina, fortalece Lugo e seus apoiadores, que agora podem se achar no direito de ampliar sua mobilização. Especialmente preocupante é a possibilidade de os carperos, os sem-terra paraguaios, retomarem os métodos violentos que aterrorizaram, entre outros, os brasiguaios. Se houver derramamento de sangue, não há dúvidas de que parte da culpa deve recair sobre os ombros dos líderes estrangeiros que incitaram a reação luguista de forma irresponsável, conscientes de que o sofrimento caberá apenas ao povo paraguaio.

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