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A trágica e brutal morte de Charlie Kirk, jovem pai de família americano, abatido a tiros durante uma palestra universitária em Utah – ao que tudo indica, em razão de seu posicionamento e ativismo em defesa de valores conservadores – transcende a singularidade de um ato criminoso. Representa um eco sombrio das profundas fissuras que a violência política tem aberto no mundo contemporâneo, com cruel reincidência.
Aliado próximo do presidente Donald Trump e fundador da Turning Point USA, organização que desde 2012 mobiliza milhares de jovens em prol do livre mercado, do governo limitado e das liberdades individuais, Charlie Kirk personificava uma voz que, embora por vezes incisiva e provocadora, demonstrava abertura ao debate – como indicava a própria tenda onde foi baleado, marcada pela inscrição eloquente: “Prove que estou errado”.
Tolerância e respeito mútuo não são concessões, mas pilares da vida em comum. A política civilizada nasce do reconhecimento de que a divergência é constitutiva da democracia, e não uma guerra de aniquilação
Uma vez confirmado que a motivação do crime foi política, Charlie Kirk se tornará mais uma vítima de uma tendência nefasta que mina os pilares da civilidade: a desumanização do outro. O que permite que a rivalidade de ideias se transfigure em violência letal é, fundamentalmente, deixar de ver o adversário político como um ser humano. Exemplo eloquente são as gravações feitas na Universidade de Utah, onde Kirk foi morto. Tão chocantes quanto as imagens do próprio assassinato são os gestos de júbilo e comemoração de alguns universitários, registrados logo após os disparos. Jovens que riam e celebravam diante da cena macabra revelaram o ponto em que o ódio político suplanta qualquer senso de humanidade.
Quando um indivíduo, por suas convicções, ideias ou valores, deixa de ser percebido como um ser humano merecedor de respeito, com sua própria esfera de família e afetos, e passa a ser rotulado como “lixo”, “verme” ou “praga”, abre-se um precedente perigoso. Essa retórica incendiária pavimenta o caminho para a ideia de que tais “não-pessoas”, por pensarem diferente, podem – ou até devem – ser eliminadas.
A história fornece exemplos: foi assim que regimes totalitários do século 20 abriram caminho para massacres, reduzindo pessoas a caricaturas infames, indignas de existir. Foi o que fez a propaganda nazista ao despojar os judeus de sua dignidade; o mesmo se repete, em escala diversa, na retórica que demoniza conservadores – não como cidadãos com ideias discordantes, mas como inimigos a serem eliminados, seja fisicamente, através da violência, ou virtualmente, pois as infames campanhas de cancelamento nada mais são do que a tentativa de exterminar a existência de uma pessoa no campo virtual, algo comparável com a “morte civil” dos tempos medievais.
Os Estados Unidos já contabilizam outros casos além de Kirk: o tiroteio contra congressistas republicanos em 2017, o ataque à casa da então presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e, mais recentemente, a tentativa de assassinato contra Donald Trump. No Brasil, o quadro não é menos perturbador. A facada contra Jair Bolsonaro em 2018, a morte do guarda municipal Marcelo Arruda, apoiador de Lula, em Foz do Iguaçu e tantos outros episódios ilustram a gravidade da situação.
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A tentação de justificar a violência com raciocínios como “ele colheu o que plantou” – ainda um reflexo de ver no outro não um ser humano, mas um ser abjeto – é moralmente abjeta e civilizacionalmente suicida. A democracia pressupõe o embate de ideias, não a eliminação física de quem as sustenta. Mesmo o adversário mais radical ou desonesto permanece uma pessoa, dotada de dignidade intrínseca. Negar esse princípio é abrir as portas da barbárie.
A morte de Kirk deve servir como ponto de inflexão. É urgente que líderes de todas as tendências condenem não apenas a violência física, mas também a retórica que a alimenta. Nos EUA, tanto líderes democratas quanto republicanos lamentaram a morte de Kirk, condenaram a violência e se solidarizaram com a família do jovem assassinado – além da esposa, Charlie Kirk deixou dois filhos pequenos. Tolerância e respeito mútuo não são concessões, mas pilares da vida em comum. A política civilizada nasce do reconhecimento de que a divergência é constitutiva da democracia, e não uma guerra de aniquilação.
O governador de Utah, Spencer Cox, perguntou após o crime: “É isso que 250 anos nos trouxeram?”. A mesma pergunta cabe ao Brasil, que no próximo ano viverá uma eleição presidencial que deverá ser marcada por forte polarização. Uma sociedade que aceita a desumanização do adversário está sempre a um passo de novas tragédias. Reafirmar a dignidade da pessoa humana, mesmo na discordância mais profunda, é o único caminho para impedir que a política se degrade em carnificina.



