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| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O presidente Michel Temer decidiu mandar às favas o discurso sobre a importância do ajuste nas contas públicas e sancionou, a poucos dias do prazo limite, o aumento para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que passarão a receber R$ 39,3 mil mensais, contra os R$ 33,7 mil que recebiam até agora. O reajuste terá um efeito cascata para todo o Poder Judiciário e o Ministério Público, mas não termina aí. Os detentores de outros cargos cujos salários estão atrelados, de alguma forma, aos vencimentos dos ministros do Supremo também serão beneficiados, e alguns funcionários públicos cujas gratificações e outros acréscimos colocavam seus salários acima do teto constitucional, e por isso sofriam um corte chamado “abate teto”, também receberão mais.

O custo de cerca de R$ 5 bilhões aos cofres públicos estimado para 2019 nem é o aspecto mais absurdo do projeto de lei aprovado no Congresso e sancionado por Temer nesta segunda-feira. A sanção é apenas mais um passo de uma negociata costurada entre os chefes do Poder Executivo e do Poder Judiciário, que atrelava o reajuste ao fim do auxílio-moradia pago indiscriminadamente a todos os juízes do país, em parcela de valor fixo, inclusive a todos os magistrados que têm residência própria no local onde trabalham. Esse tipo de verba desrespeita flagrantemente a Constituição, pois tem caráter remuneratório, e não indenizatório; uma situação diferente seria a do juiz que, transferido para uma localidade diferente daquela onde reside, precisaria gastar com aluguel ou outra hospedagem e teria essa despesa ressarcida mediante a apresentação de comprovantes – esse, sim, seria um caso de verba indenizatória.

Fux não mudou de ideia a respeito do auxílio-moradia; só está revendo a questão devido à sanção do reajuste

A contrapartida do Supremo, no entanto, veio de uma forma potencialmente confusa: o ministro Luiz Fux, relator de ações sobre o tema no Supremo, simplesmente derrubou as liminares que ele mesmo havia concedido em 2014, estendendo o pagamento do auxílio-moradia – primeiro, a todos os magistrados da Justiça Federal; depois, a toda a magistratura. É com base nessas decisões que o benefício vem sendo pago a todos os juízes do país.

Mas nem todos os magistrados recebiam a verba amparados pelas liminares. Há vários estados em que o pagamento havia sido autorizado por lei aprovada em Assembleia Legislativa – no Paraná, isso ocorreu em fevereiro de 2014, meses antes das liminares de Fux. É verdade que, na decisão desta segunda-feira, o ministro deixa claro que “esta decisão não restaura eventual ato normativo estadual ou de outro ente da federação (lei, resolução ou ato de qualquer outra espécie) que autorizava o pagamento do auxílio-moradia, aplicando-se a vedação de pagamento do referido auxílio aos membros da Magistratura, Ministério Público, Defensorias Públicas, Tribunais de Contas, Procuradorias e demais carreiras jurídicas de todos os entes da federação”, mas ainda assim a solução de Fux deixa o flanco aberto a questionamentos dos mais diversos tipos.

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Isso porque, no texto da decisão, o ministro reafirma seu entendimento em favor do pagamento do auxílio-moradia a todos os magistrados que não tenham à disposição uma residência oficial na comarca onde trabalhem, como diz o texto da Lei Orgânica da Magistratura. Fux não está mudando de ideia a respeito da natureza do auxílio-moradia; só está revendo a questão devido ao que chama “fato novo de amazônica repercussão” – a sanção do reajuste. Todo o caráter de arranjo de conveniência, em que se troca um aumento salarial pelo fim de um benefício, está escancarado ao longo da nova decisão. Não surpreenderia se as associações de juízes, que já declararam querer acumular o reajuste e o auxílio-moradia, usassem as próprias palavras de Fux em uma eventual ação judicial.

Só haverá solução definitiva a respeito do auxílio-moradia quando o assunto for levado ao plenário do Supremo, e o pagamento nos moldes que haviam sido permitidos por Fux for declarado inconstitucional. Um projeto de lei de iniciativa do Judiciário, clarificando a questão na Loman, também seria muito desejável, para encerrar de vez as pretensões corporativistas das associações de magistrados. Mesmo que isso ocorra, no entanto, nada apagará o fato de que o Supremo só aceitou fazer a coisa certa depois de pedir – e receber – um “resgate” que será pago por todos os brasileiros.

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