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A temporada de quase quatro meses do deposto presidente de Honduras, Ma­­nuel Zelaya, na embaixada do Brasil em Tegucigalpa, terminou anteontem. Fo­­ram-se o homem e seu chapéu para asilo na vizinha República Dominicana. A saída das instalações da sede diplomática, dele e de seu numeroso séquito, teve ares de despedida solene: lá estavam o presidente recém-eleito e empossado, Porfírio Lobo, e seu novo anfitrião, o presidente dominicano, além dos admiradores que o acompanharam até o aeroporto. Como seu último ato, Zelaya cumpriu o que manda a civilidade: deixou uma gentil carta de agradecimentos a Lula pelo apoio e pela hospedaria que dele recebeu.

Teria a participação brasileira nesse episódio de tintas tragicômicas terminado em pizza, tal como acontece com as nossas CPIs? De certo mo­­do, sim. De outro, não. A pizza se configura pelo resultado oposto ao que o Brasil pretendia ao dar apoio político, moral e logístico ao deposto presidente – isto é, a devolvê-lo ao poder em no­­me de uma suposta e canhestra defesa da democracia na América Latina. Não conseguiu. Mais pragmáticos e eficazes, os americanos chegaram lá e, praticamente, conduziram a bom termo a realização de nova eleição presidencial – exatamente aquela que Zelaya tentava burlar, o que deu causa à sua deposição.

Na aparência, pelo menos, justamente apesar da atuação brasileira, Honduras retoma agora o caminho da democracia e da paz política interna. Empossado o novo presidente, eleito por grande maioria em pleito fiscalizado por organismos internacionais isentos, Porfírio Lobo assinou o primeiro ato visando à pacificação e à normalização institucional do país: concedeu anistia ampla a todos os envolvidos – tanto aos militares que apearam Zelaya do poder quanto ao próprio ex-presidente. A anistia só não foi tão irrestrita porque nela não se incluem os crimes de corrupção eventualmente praticados por ele.

Ao governo brasileiro, pela voz do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorin, restou tão somente dizer uma palavra de autoconforto: ao abrigar Zelaya em sua embaixada, o Brasil contribuiu para evitar que o processo político hondurenho descambasse para a violência. O início das nossas "operações" hondurenhas, no entanto, não explicitava tal objetivo; embora eufemizado pelo vocabulário diplomático, o objetivo claro era o de participar da política interna do país visando à retomada do poder pelo deposto dirigente.

Pois bem: e qual é a parte que da atuação verde-amarela que não se pode classificar de pizza? É aquela em que nosso país, em Honduras, deu mais uma prova cabal e concreta da decadência da nossa política externa ao longo do governo Lula, especialmente em relação ao papel que deveria desempenhar na América Latina. De novo, submetemo-nos à emulação e ao misto de admiração que o histriônico presidente venezuelano, Hugo Chávez, nos impõe.

Há no comportamento da nossa diplomacia com os vizinhos algo que se poderia identificar como sintomática da "síndrome de Estocolmo" – aquele desvio caracterizado pela paixão que prisioneiros devotam por seus algozes. Pois é sempre em razão da preponderância e protagonismo que Hugo Chávez alcançou na América Latina que o Brasil passou a exercer sua diplomacia no subcontinente.

Como que para contrapor-se à sua influência, devota-lhe mesuras descabidas, como a de dar-lhe assento, por exemplo, como membro permanente do Mercosul. À derrama de petrodólares com que Chávez compra a adesão de vizinhos, o Brasil responde com a capitulação à sua própria soberania – caso típico do conformismo com que assistimos ao confisco da Petrobras pela Bolívia e da disposição de ceder ao Paraguai na mudança do imutável contrato binacional da hidrelétrica de Itaipu.

O caso da participação brasileira em Honduras decorreu das mesmas razões. Fomos teleguiados por Hugo Chávez. Agimos de conformidade com suas pretensões políticas bolivarianas, seja lá o que isso signifique. Fomos usados – inclusive ao transformar nossa embaixada em hospedaria para Zelaya – pelo venezuelano ao mesmo tempo em que pretextamos atuar em nome da defesa das instituições democráticas.

Deu no que deu. Se vexame é palavra forte de­­mais para definir o resultado final do papel brasileiro, que se o classifique como inútil. Agora, só nos resta chamar a turma da limpeza para colocar ordem na devastada embaixada.

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