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Lula, o chinês Xi Jinping, o sul-africano Cyril Ramaphosa, o indiano Narendra Modi e o russo Sergey Lavrov na reunião de cúpula dos Brics, na África do Sul.
Lula, o chinês Xi Jinping, o sul-africano Cyril Ramaphosa, o indiano Narendra Modi e o russo Sergey Lavrov na reunião de cúpula dos Brics, na África do Sul.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Quando, em 2009, Brasil, Rússia, Índia e China deram um caráter formal ao que surgira como uma ferramenta de marketing de um grande banco de investimentos, o membro sul-americano dos Brics já era uma espécie de “primo pobre” do grupo: emergente, com muito potencial e uma economia em crescimento, sem dúvida; mas não muito mais que uma liderança regional. Desde então, China e Índia cresceram ainda mais – os indianos acabam de pousar uma sonda na Lua –, e a Rússia se tornou pária entre as nações democráticas ao invadir a Ucrânia, mas continua a ser uma potência militar temível. A entrada da África do Sul, em 2010, não serviu para dar mais relevância ao Brasil; e, a julgar pela próxima rodada de adesões, que acabou de ser acertada na reunião de cúpula dos Brics em Johannesburgo, a tendência é que o Brasil se torne cada vez mais um coadjuvante neste clube.

Os líderes dos cinco países decidiram convidar Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã para se juntar aos Brics a partir de janeiro de 2024. Olhando do ponto de vista puramente econômico, que esteve na origem do conceito que levaria aos atuais Brics, algumas escolhas são intrigantes: Argentina e Egito, em vez de serem emergentes, estão submergindo em crises; e a Etiópia ainda vive uma guerra civil. As explicações, portanto, são outras, e residem muito mais em afinidades e ambições geopolíticas dos atuais membros. A Arábia Saudita, por exemplo, já esteve muito mais próxima dos Estados Unidos, mas é cada vez mais atraída para a órbita chinesa. Pequim também vem estreitando relações tanto com o Egito e o Irã, por meio do projeto de infraestrutura conhecido como “Nova Rota da Seda”, quanto com a Etiópia, tendo fornecido armas ao governo durante a guerra civil. Os Emirados Árabes foram convidados pela Índia e a Argentina foi apadrinhada por Lula.

Quanto mais aliados a China levar para os Brics, mais provavelmente o grupo se transformará em mero veículo para a projeção internacional dos valores antidemocráticos e antiocidentais chineses

O pertencimento aos Brics não significa alinhamento incondicional a ponto de o bloco se portar de forma monolítica no cenário internacional – Índia e China, por exemplo, têm até mesmo disputas fronteiriças; e o premiê indiano, Narendra Modi, encontrou o ucraniano Volodymyr Zelensky no Japão, além de criticar a Rússia por abandonar o acordo para exportação de grãos pelo Mar Negro. Mesmo assim, vale a pena olhar com que tipo de companhias o Brasil passa a andar com mais frequência daqui em diante, e que incluem uma teocracia que desafia o mundo levando adiante um programa nuclear (o Irã); uma ditadura militar (o Egito); e uma autocracia (a Arábia Saudita) que tem despejado dinheiro no esporte para lavar uma imagem manchada por violações de direitos humanos e episódios como a morte do jornalista Jamal Khashoggi, supostamente por ordem do príncipe herdeiro e primeiro-ministro Mohammed bin Salman.

Pode-se até alegar que a expansão ocorreu contra a vontade do Brasil (e da Índia), ou seja, se dependesse apenas de Lula o país não teria países como o Irã na categoria de parceiros nos Brics. No entanto, isso não apaga os laços que unem o petista ao regime dos aiatolás, desde os tempos em que o presidente iraniano era Mahmoud Ahmadinejad. Em comum entre eles, há um antiamericanismo muito caro ao assessor especial Celso Amorim, que hoje é quem dá as cartas na política externa brasileira, ofuscando o chanceler Mauro Vieira e repetindo o papel que Marco Aurélio Garcia tivera na primeira passagem do petismo pelo Planalto. É esta mentalidade que guia, ao menos em parte, a obsessão lulista em escantear o dólar nas relações comerciais, tanto no Mercosul quanto nos Brics.

Esse antiamericanismo pode não ser o fio condutor dos Brics hoje, mas é muito conveniente para a China, que pretende desafiar a hegemonia ocidental – especialmente dos Estados Unidos – no aspecto econômico e também militar, a julgar pelas recentes incursões no espaço aéreo de Taiwan e em águas reivindicadas por países do Sudeste Asiático que são aliados norte-americanos. Quanto mais aliados a China levar para os Brics, mais provavelmente o grupo se transformará em mero veículo para a projeção internacional dos valores antidemocráticos e antiocidentais chineses. Se isso acontecer, para o Brasil os Brics deixarão de ser uma oportunidade – por exemplo, para atrair investimentos – para se tornar um peso.

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