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Plenário da Câmara, na reunião do Congresso sobre a LDO
Plenário da Câmara dos Deputados.| Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara

Tema recorrente quando se trata de alterar a legislação eleitoral, a tipificação do caixa dois também está prevista no texto do novo Código de Processo Eleitoral, relatado por Margarete Coelho (PP-PI) e que tem votação prevista para esta quinta-feira, já que a vontade do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é conseguir que as mudanças sejam aprovadas ainda a tempo de serem aplicadas já nas eleições de 2022. Por mais que a definição de um crime específico de caixa dois seja positiva – ela chegou, por exemplo, a constar das Dez Medidas Contra a Corrupção, propostas pelo Ministério Público Federal durante a Lava Jato e posteriormente destroçadas no Congresso –, ela precisa ser feita de forma muito cuidadosa para não deixar brechas à impunidade. E, a julgar pelos especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, há, sim, portas abertas para este efeito indesejado.

No texto que deve ser votado, o crime de caixa dois consiste em “doar, receber, ter em depósito ou utilizar, de qualquer modo, nas campanhas eleitorais ou para fins de campanha eleitoral, recursos financeiros fora das hipóteses da legislação eleitoral”, com pena de multa e dois a cinco anos de prisão, que pode ser aumentada dependendo da origem do dinheiro. A redação do artigo, por si só, já poderia ser aprimorada – caso, por exemplo, da expressão “hipóteses da legislação eleitoral”, que poderia ser substituída por “regras previstas neste Código e na legislação eleitoral”; ou de se afirmar explicitamente que se trata de recursos recebidos e não registrados. A título de comparação, nas Dez Medidas o caixa dois era definido como “manter, movimentar ou utilizar qualquer recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação eleitoral” e “Ocultar ou dissimular, para fins eleitorais, a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, de fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados na forma exigida pela legislação”, uma redação bem mais precisa.

Uma tipificação necessária se vê prejudicada pelo seu entorno, que dificulta a descoberta do crime e, mesmo quando o caixa dois é identificado, ainda permite que os culpados escapem impunes

Mesmo a redação pouco polida, no entanto, já é considerada um avanço por entidades e movimentos de combate à corrupção; o grande problema, para todos eles, está no restante do projeto, que pode inviabilizar a punição do caixa dois. Além de todo o afrouxamento na fiscalização e na transparência da prestação de contas dos partidos e candidatos, de que já tratamos nesse espaço, especialistas e entidades criticam especialmente dois itens previstos pela relatora: a possibilidade de acordo de não persecução penal, que afastaria a punição aos infratores; e a previsão segundo a qual “o juiz poderá deixar de aplicar a pena ou poderá reduzi-la de um terço a dois terços se a omissão ou irregularidade na prestação de contas for de pequeno valor, de origem lícita e advinda de doador autorizado pela legislação eleitoral”, com a agravante de que não fica definido que “pequeno valor” é este, abrindo espaço para a subjetividade. Uma tipificação necessária, portanto, se vê prejudicada pelo seu entorno, que dificulta a descoberta do crime e, mesmo quando o caixa dois é identificado, ainda permite que os culpados escapem impunes.

Além disso, uma outra controvérsia relativa à tipificação do caixa dois está no futuro das ações que já tramitam com base no artigo 350 do atual Código Eleitoral, que descreve o crime de “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”, e que vem sendo aplicado aos casos de caixa dois. Os acusados de hoje poderiam pleitear uma anistia no Judiciário sob o argumento de que a tipificação seria uma admissão implícita de que o crime não existia anteriormente – raciocínio muito questionável, já que a aplicação do atual artigo 350 aos casos de caixa dois é evidente e não exige malabarismo jurídico algum. A relatora tentou contornar este problema ao inserir, no seu parecer, dispositivo pelo qual “as ações penais ajuizadas antes da vigência desta lei e relativas à falsidade na prestação de contas, tipificadas no artigo 350 da Lei 7.737, 15 de julho de 1965, permanecerão por ele regidas”. Providência necessária para eliminar qualquer dúvida, mas que fatalmente acabará judicializada de qualquer maneira, com risco nada desprezível de uma interpretação favorável aos réus acabar prevalecendo.

Os perigos estão devidamente identificados, bem como as formas de saná-los, preservando a tipificação do caixa dois sem as armadilhas que dificultarão a punição dos infratores. Este, no entanto, é trabalho que exige um pente-fino no projeto, tantos são os itens problemáticos. Resta saber se haverá disposição e tempo para corrigir o texto, dada a pressa e os interesses nada republicanos que movem parte daqueles que estão encarregados de aprová-lo.

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