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O que imaginar sobre um próximo papa? É mais realista esperar que ele use a influência da Igreja nas grandes questões do mundo contemporâneo, em vez de esperar um pontífice que mude questões doutrinárias consideradas centrais pelos católicos

A partir de hoje, 115 cardeais da Igreja Católica iniciam um conclave incomum: embora os procedimentos para a escolha do novo papa sejam os mesmos com os quais o mundo está acostumado, pela primeira vez em seis séculos um sucessor será escolhido com um predecessor vivo. Joseph Ratzinger, que mantém o nome de Bento XVI, mas agora recebe o título de papa emérito, está na residência de verão de Castelgandolfo; depois que a Igreja Católica tiver um novo líder, Ratzinger se mudará para uma residência dentro dos muros do Vaticano, onde passará o resto dos seus dias de forma discreta.

O perfil esperado do novo papa já foi discutido à exaustão pela imprensa e nas mídias sociais; vaticanistas experientes e palpiteiros de primeira viagem deixaram claras suas impressões sobre a provável idade, procedência e até orientação ideológica daquele que será escolhido no conclave, ou exibiram suas preferências em relação ao sucessor de Bento XVI. No meio de tantas opiniões, costumam ganhar relevo na cobertura aquelas que esperam ou pedem um papa "aberto ao mundo contemporâneo", "aberto às demandas dos católicos", ou que "modernize a Igreja", expressões que normalmente significam a aceitação do aborto e da eutanásia, e mudanças na moral sexual. A suposta necessidade de uma revisão na doutrina que estancaria a debandada nas fileiras da Igreja é um refrão evocado conclave após conclave.

Tais reivindicações ou expectativas, contudo, soam ilusórias. Independentemente do que cada um pense sobre tais temas, esperar que um futuro pontífice revogue a doutrina da Igreja Católica em assuntos considerados tão centrais para a própria identidade da instituição soa como ingenuidade. Normalmente, tais comentários vêm ou de católicos que discordam da orientação da Igreja e gostariam de vê-la moldada a suas preferências pessoais, ou de defensores de um certo laicismo que procura restringir a participação das religiões na esfera pública, especialmente quando se trata de convicções religiosas diametralmente opostas ao "sentir contemporâneo". Uma Igreja conforme em tudo com as "demandas da modernidade" certamente pareceria mais aceitável aos laicistas.

Mesmo o argumento numérico para justificar eventuais mudanças de rumo não parece sólido. Entre 2009 e 2010, o número de católicos subiu 1,3%, contra 1,13% de aumento na população mundial, segundo o Anuário Pontifício e as Nações Unidas. É verdade que a dinâmica da população católica é desigual, com quedas na Europa e nas Américas e crescimento na Ásia e na África. Também é difícil estimar quantos católicos são os chamados "praticantes", que aderem à doutrina e participam das cerimônias. Mas o fenômeno da debandada religiosa é um sintoma do secularismo crescente da sociedade contemporânea; atinge as religiões como um todo e tem pouco a ver com dogmas específicos – se assim fosse, religiões que oferecem justamente o pacote completo sonhado pelos defensores do que chamam de "atualização da Igreja" estariam observando crescimento exponencial, o que não ocorre.

Têm mais possibilidade de ver suas expectativas cumpridas aqueles que esperarem um pontífice que use a influência da Igreja a favor das grandes causas da humanidade, como a defesa da democracia, o combate à pobreza e a promoção da paz. Essas, sim, são prioridades viáveis para o próximo líder católico, especialmente no momento atual, com focos de instabilidade em diversos pontos do planeta.

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