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manutenção rodovias
Rodovias mal conservadas são um dos fatores que ajudam a minar a produtividade nacional.| Foto: Brunno Covello/Arquivo/Gazeta do Povo

Entre as áreas nas quais o governo de Jair Bolsonaro mais se destacou nesses quatro anos está a da infraestrutura. Tarcísio de Freitas pode ser tranquilamente listado como um dos ministros mais bem-sucedidos da equipe de Bolsonaro, e agora terá pela frente o governo do estado de São Paulo, para o qual foi eleito em 30 de outubro. O Ministério da Infraestrutura comandou um programa de concessões e privatizações que só não foi mais amplo devido à desorganização econômica causada pela pandemia de Covid-19; se o petismo não se empenhar em desfazer esse trabalho, teremos boas novidades, especialmente em modais ainda subaproveitados no país, como as ferrovias e a navegação de cabotagem.

No entanto, ainda há muitas razões para preocupação em relação ao principal modal de transporte do país. A nova edição do relatório anual da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) aponta para uma deterioração da malha rodoviária brasileira, inclusive nos trechos já concedidos à iniciativa privada – que, apesar disso, continuam muito superiores em qualidade às rodovias administradas diretamente pelos governos federal ou estaduais. Enquanto 69% da malha concedida é considerada “ótima” ou “boa”, esse porcentual cai para 24,7% no caso das rodovias sob gestão pública; na outra ponta, enquanto apenas 5,2% da extensão concedida é considerada “ruim” ou “péssima”, 30,5% das rodovias administradas pelo governo foram assim classificadas. A avaliação inclui pavimento (desgaste, trincas e buracos na pista, por exemplo), sinalização (como placas e pintura de faixas) e geometria (canteiros centrais ou proteções, faixas adicionais em subidas, acostamento etc.).

Pisar no freio do programa de concessões rodoviárias, agora, é condenar os brasileiros e o setor produtivo a conviver com autênticas “rotas do queijo suíço”

Apenas o mau estado de boa parte das rodovias já seria razão suficiente para alerta: as rodovias classificadas como “ruins” e “péssimas” correspondem a 27,8 mil quilômetros, dos 110,3 mil km avaliados pela CNT. O quadro fica ainda pior quando se percebe que a qualidade das estradas vem caindo. O “ótimo/bom” das rodovias com gestão pública era de 32,5% em 2019; caiu para 28,2% em 2021 (não houve pesquisa em 2020 devido à pandemia) e agora está em 24,7%. No caso das rodovias concedidas, o “ótimo/bom” caiu de 74,2% no ano passado para os atuais 69%. De acordo com a CNT, o país precisaria de R$ 72 bilhões apenas para reconstruir e recuperar estradas com pavimento danificado ou destruído, e mais R$ 22,7 bilhões para manutenção de rodovias desgastadas, para impedir que se deteriorem ainda mais. A título de comparação, todo o orçamento do Ministério da Infraestrutura previsto para 2023 no Projeto de Lei Orçamentária Anual é de R$ 17 bilhões – e apenas uma parte disso vai para as rodovias.

O prejuízo causado por estradas ruins é enorme e amplamente conhecido: o principal está nas vidas perdidas em acidentes causados pela má condição das pistas, aliada ao mau comportamento dos motoristas. Mas também existe impacto econômico e ambiental: segundo a CNT, o custo com acidentes supera há muitos anos o investimento feito nas estradas – em 2022, até agosto, os gastos estimados com acidentes são de R$ 8,3 bilhões, contra R$ 3,9 bilhões investidos nas rodovias. Estradas ruins elevam o consumo de combustível e encarecem o frete, e a CNT estima que 1 bilhão de litros de diesel poderiam ter sido economizados se ônibus e caminhões trafegassem em rodovias boas ou ótimas, em vez de enfrentar pavimentos aos pedaços; os R$ 4,9 bilhões gastos com esse combustível extra teriam servido para a compra de 6 mil caminhões mais novos e menos poluentes, ou para reflorestar 103 mil hectares, pouco menos que toda a área do município de Belém (PA).

O setor de infraestrutura brasileiro se beneficiou, nos últimos quatro anos, de um governo que tinha a convicção sobre o necessário protagonismo da iniciativa privada. O próximo governo, sabe-se, não compartilha dessa crença. As concessões das eras Lula e Dilma Rousseff foram quase que uma imposição da realidade, diante da aproximação de megaeventos e da evidente disparidade entre o investimento necessário e os recursos estatais disponíveis. Mesmo assim, elas ainda traziam o ranço estatista em modelagens ruins, como a dos leilões de aeroportos, felizmente abandonada no governo Michel Temer.

Pisar no freio do programa de concessões rodoviárias, agora, é condenar os brasileiros e o setor produtivo a conviver com autênticas “rotas do queijo suíço”. Os desafios são muitos: a economia mundial segue fragilizada e os trechos ainda por conceder já não são os mais atrativos. Mas o Brasil acumula décadas de experiência em concessões rodoviárias, e tem especialistas capazes de distinguir o que funciona do que não deu certo. Reduzir a dependência brasileira das estradas por meio do incentivo aos outros modais não significa descuidar da malha rodoviária nacional. Mas será preciso abandonar os preconceitos estatistas e usar toda a inteligência necessária para atrair os investidores.

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