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| Foto: Olivia Baldissera/Gazeta do Povo

Pessoas de punho erguido pedem “Lula livre” e cantam a Internacional, hino ligado ao movimento comunista e que, por duas décadas, foi o hino extraoficial da União Soviética. A cena foi presenciada não em algum ato de desagravo a condenados no mensalão ou no petrolão, muito menos em alguma manifestação diante do prédio da Polícia Federal em Curitiba, onde o ex-presidente está preso por corrupção. Os protagonistas de tal cena eram professores universitários, reunidos em Belém (PA) no fim de janeiro e início de fevereiro para o congresso anual do sindicato que os representa nacionalmente, a Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN).

Antes mesmo do evento, no fim de 2018, já circulava um documento em que a entidade ataca o governo de Jair Bolsonaro, classificado como “protofascista e entreguista e de extrema-direita”, e defendia uma série de pautas da esquerda, como o combate às reformas de ajuste fiscal, especialmente a da Previdência, e às privatizações. A libertação de Lula também está na pauta, além da “campanha urgente contra a direita, através da proliferação dos comitês de luta contra o golpe e contra os fascistas”, mostrando que os docentes ainda não superaram o impeachment de Dilma Rousseff, que levou a uma série de “cursos sobre o golpe” em universidades federais. Naquela ocasião, ficou evidente que o objetivo de tais cursos e disciplinas não era estudar os acontecimentos de 2016, mas impor um determinado ponto de vista sobre a cassação de Dilma.

A homogeneização político-ideológica nas universidades é prejudicial para a própria instituição e uma negação de sua essência

Até que ponto as cenas do congresso dos professores em Belém, assim como o teor do documento que já havia sido divulgado em dezembro, são representativas do estado geral da docência universitária? Por um lado, o evento reúne delegados que foram escolhidos pelos seus pares. Quem pede “Lula livre” em Belém foi eleito por outros que certamente pensam o mesmo. Mas também sabemos que, felizmente, nem todos os professores universitários compartilham do amor dos delegados do congresso da Andes pelos regimes de esquerda, que tanta miséria trouxeram onde quer que tenham sido implantados. É perfeitamente possível que parte significativa dos docentes que divergem da esquerda acabe nem participando da vida sindical; uma decisão legítima, mas que tem o lado negativo de deixar a militância política reinar livre, sem contestação, nesses ambientes.

No entanto, há outro aspecto que permite supor que há um desequilíbrio patente dentro da docência: as vinculações políticas, partidárias e ideológicas de um sem-número de reitores. A Gazeta do Povo lembrou que 17 reitores e vice-reitores assinaram carta de apoio a Fernando Haddad na eleição de 2018; há reitores filiados a partidos políticos de esquerda e extrema-esquerda, como o PSol – o caso mais célebre é o do reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberto Leher, que aparelhou sua equipe com militantes da legenda.

O único meio de se chegar ao comando de uma universidade pública é aparecer em uma lista tríplice, resultado de eleições promovidas dentro da comunidade acadêmica, em que, pelo menos em tese, o maior peso (70%) é concedido aos professores – regra, aliás, que faz muito sentido, dada a importância do corpo docente na prestação do que é a razão de ser da universidade. Tradicionalmente, o mais votado acaba escolhido para o cargo. Ora, se os professores, em um pleito no qual também os não esquerdistas têm interesse em votar, colocam no primeiro lugar das listas tríplices candidatos com esse perfil, pode-se concluir que o eleito é um reflexo bastante fiel da maioria dos eleitores.

Leia também: O STF e a propaganda eleitoral nas universidades (editorial de 11 de novembro de 2018)

Leia também: O curso do “golpe” e a função da universidade (editorial de 4 de março de 2018)

Podemos discutir como se chegou a esse predomínio da esquerda no ambiente docente universitário brasileiro. É possível que tenha havido uma confluência involuntária de pessoas com os mesmos pontos de vista; há a tese de que a universidade foi a “válvula de escape” oferecida pela ditadura militar à esquerda, para desidratar o terrorismo armado contra o regime; pode até mesmo ter havido, em algum grau, um movimento articulado, segundo os preceitos do marxista italiano Antonio Gramsci. Podemos, ainda, discutir como esse predomínio se perpetua – e existe a chance de a dinâmica atual dos concursos públicos colaborar para esse cenário. O que não podemos, de forma alguma, é negar o fato sociológico de que existe, sim, uma desproporção absurda no ambiente universitário em favor da esquerda.

Esse tipo de homogeneização político-ideológica nas universidades é prejudicial para a própria instituição e uma negação de sua essência, que é a construção do conhecimento por meio do debate de ideias. A captura ideológica da universidade, por qualquer grupo, é um desserviço à educação; ela priva o estudante do contato com muitas das ideias que ajudaram a forjar o mundo e dificulta-lhe o direito de pensar por conta própria. Por isso, é preciso, como primeiro passo, que a sociedade reconheça que o problema existe e que ele merece atenção. Só assim será possível encontrar meios de restaurar a pluralidade no ensino superior, com soluções vindas da própria sociedade que respeitem plenamente a liberdade de cátedra, a autonomia universitária e o direito de defender as ideias das quais discordamos.

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