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Os brasileiros acompanharam a luta e a sede de viver de José Alencar Gomes da Silva. O ex-vice-presidente da República lutava há 13 anos contra o câncer. Os primeiros tumores no estômago e no rim foram diagnosticados em 1997. Em 2002, Alencar tratou de um câncer de próstata. Em 2006, surgiu o sarcoma no abdome e desde então a população passou a acompanhar mais de perto as constantes entradas e saídas de Alencar do hospital, o resultado dos tratamentos, desde os quimioterápicos a outros mais avançados e até experimentais. Foram ao todo 17 cirurgias nas quais, depois de cada uma, ainda debilitado pelos procedimentos médicos, aparecia com seu sorriso cativante, espalhando otimismo e vontade de continuar a vida. Ainda que a cada internação a doença ganhasse pontos rumo ao desenlace ontem ocorrido.

Empresário de sucesso que entra para a história com a dobradinha vitoriosa Lula-Alencar para a Presidência da República, apenas sua luta contra o câncer já daria uma história comovente. Mas a marca dele foi muito maior. Nascido em 17 de outubro de 1931, em Itamuri, distrito de Muriaé, Zona da Mata mineira, Alencar veio de uma família humilde. Estudou até o quinto ano do antigo primário, quando precisou largar os estudos para começar a trabalhar. Saiu de casa com uma mala na mão, enfrentou muitas necessidades e com muito esforço e persistência tornou-se um dos maiores industriais do país. Aos 18 anos era comerciante; em 1963 abriu uma fábrica de calças e camisas masculinas e montou lojas que viraram uma rede com 30 unidades. Até um hotel, em Belo Horizonte, chegou a ter, que depois foi vendido. Passou para a frente também a fábrica e a rede de lojas para abrir a Coteminas, fábrica de fios, tecidos, toalhas de banhos, entre outros produtos têxteis.

Mas aí também José Alencar foi muito além do bem-sucedido homem da iniciativa privada. Com seu jeito obstinado e opiniões firmes acabou na política. De empresário realizado passou a líder patronal elegendo-se presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (de 1988 a 1994) e vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria. Das lides empresariais foi um pulo para chegar à política, elegendo-se senador por Minas Gerais de 1999 a 2002.

Mas ainda não era o suficiente e o destino reservava outros desafios para o líder empresarial e promissor político mineiro: acabou conhecendo o sindicalista mais famoso do Brasil, Lula; foi numa festa na qual comemorava seus 50 anos como empresário, em Belo Horizonte, no ano de 2000. Lula então ficou impressionado com a história de vida do homenageado e, ao sair do evento, disse, satisfeito, que finalmente havia encontrado seu candidato ideal a vice-presidente. Acertada a montagem da chapa foi a vitoriosa em 2002, inaugurando uma nova era na história republicana brasileira. Com Lula foi para Brasília ajudar a decidir o futuro do país no primeiro governo presidido por um operário. Assim, com sua maneira simples, batalhadora e otimista, José Alencar Gomes da Silva tornou-se o segundo homem mais importante da República numa inicialmente improvável dobradinha entre um empresário e um metalúrgico.

Um vice decidido. De posições independentes e sem meias palavras, foi a voz solitária no Palácio do Planalto contra os juros altos. Falava para quem quisesse ouvir que os juros eram abusivos, os mais altos do planeta, que asfixiavam as empresas, os empregos e o próprio País. É provável que as críticas disparadas pelo próprio vice-presidente tenham gerado mal-estar em áreas do governo, porém, uma coisa é certa: nunca abalaram a sólida relação de confiança e amizade entre ele e Lula, a ponto de em 2006 repetir-se a dobradinha vitoriosa à reeleição.

Foi quando seu inimigo íntimo voltou a se manifestar. Depois da doença atingir o rim, o estômago, e a próstata, agora avançava no abdome. A partir de então, seu exemplo de luta pela vida impressionou de uma forma ainda mais contundente. No início de 2009, depois de uma cirurgia, disse a jornalistas: "Não quero que Deus me dê nem um dia a mais de que eu não possa me orgulhar". A sua morte ontem, após dois mandatos como vice-presidente, põe fim à vida de um brasileiro que como poucos soube exercer com dignidade os cargos que ocupou. Num país onde ser vice tem pouca ou nenhuma expressão, José Alencar exerceu a função com autoridade, tornando-se uma voz respeitada dentro e fora do governo. Fica para a posteridade seu exemplo de respeito e austeridade para com a coisa pública e de que a política também é lugar para as pessoas de bem.

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