Depois das frases e gestos impróprios que ministros usaram para extravasar seus sentimentos em relação à crise aérea, não deixou de ser um alívio ouvir o presidente da República na noite de sexta-feira. Em pronunciamento à nação, S. Exa. embora com atraso de pelo menos três dias conseguiu restaurar o mínimo de bom senso que se exige das autoridades no enfrentamento da gravíssima situação que afeta o setor cujo ápice foi a tragédia do vôo 3054, que ceifou a vida de duas centenas de brasileiros na semana passada, em São Paulo.
Em tom respeitoso, embora carregado de emotividade já tardia, Lula soube dosar seu discurso com o anúncio de medidas técnicas e administrativas que, se não dissipam por completo a crise operacional do transporte aéreo, pelo menos pontuam a vontade de resolver os problemas de Congonhas o principal gargalo do tráfego que, em efeito cascata, contamina todo o sistema com o estigma da insegurança e da desorganização.
Neste sentido, informou a decisão de mudar o perfil do aeroporto paulistano, diminuindo seus vôos e restringindo o peso das aeronaves. O terminal, pelo fato de estar implantado em região urbana densamente povoada, sem possibilidades de ampliação, já não pode mais ser um ponto de distribuição, conexões e escalas características que devem ser atribuídas de agora em diante para aeroportos mais bem situados, como Guarulhos e Viracopos. Para completar, prometeu que, num prazo de 90 dias, definirá a construção de um novo aeroporto para São Paulo.
Genericamente, citou também como providências que pretende implementar, o fortalecimento da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) e a modernização do sistema de controle de tráfego aéreo, além de exigir das companhias que aumentem o número de aeronaves para atender o crescente número de passageiros e as eventuais necessidades de substituição.
Muito bem: embora sensatas e sem dúvida óbvias, as medidas que agora o presidente promete adotar em regime de urgência eram de há muito insistentemente requeridas. A percepção que se tem, portanto, é de que foi preciso acontecer uma tragédia das proporções desta que abalou o país para que, enfim, o governo se convencesse de que é de sua responsabilidade restabelecer as condições mínimas de normalidade e eficiência da infra-estrutura aeroportuária.
Na verdade, o governo, ao longo dos últimos anos de modo especial desde o início da primeira gestão de Lula, quando ficou claro o esgotamento do sistema provocado por absurdo crescimento da demanda por viagens aéreas em razão de sua popularização praticamente não fez outra coisa do que operar uma terapia de caráter apenas cosmético. Estações de passageiros foram construídas ou melhoradas, mas quase nada do que diz respeito à segurança do tráfego. O obsoleto e caótico gerenciamento do controle de vôo é o mais evidente exemplo da desídia do governo. E o caos nos aeroportos, devidos aos atrasos e cancelamentos de vôos, é o mais claro sintoma.
O governo colhe hoje os resultados da própria negligência. Em razão da sua omissão e da sua incapacidade de previsão, planejamento e ação, está afundado há dez meses entre os incômodos desvãos da cobrança política e da péssima imagem que constrói desde o acidente com o avião da Gol, há dez meses. Agora, diante da tragédia com o avião da TAM, Lula tenta, com seu discurso, pelo menos mostrar disposição para mudar de atitude.
Que se lhe dê crédito. A boa vontade que demonstrou em seu pronunciamento, em contraste com o festival de insensatez e desrespeito patrocinado por alguns de seus mais diretos auxiliares, permite conceder-lhe tal benefício.
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