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O jornal norte-americano Washington Post costuma enviar seus jornalistas para as missas e cultos de domingo, assim como os editores pedem que participem de reuniões de pais e mestres na escola do condado. Outros tipos de reunião também valem uma visita, contribuindo para a produção de pautas que tenham alto grau de interesse para os leitores. Soa estranho, em se tratando do veículo que apurou o chamado escândalo de Watergate, nos anos 1970, mas a estratégia é dotada da mais pura ciência de investigação social.

O que sai da boca de padres e pastores nos ofícios religiosos tem lastro. O destino dessas falas é bem diferente da saraivada de notícias que o público recolhe todos os dias na rede de computadores. O sermão, ou homilia, por sua natureza terna, chega à mesa no almoço da família. Vira motivo de conversa com graus de profundidade além de boa parte das quinquilharias da web. É importante saber o que se diz nos microfones, pois talvez seja o que fique. O mesmo vale para as reuniões da escola e para qualquer espaço que garanta a circularidade da fala. Ela gera comunidade.

Os motivos são evidentes. Por piores que estejam as coisas na economia doméstica ou no quarto do casal, os pais continuam ocupados da educação de seus filhos – as associações educacionais são uma instância na qual procuram esse apoio. A reunião de pais pode ter pouco quórum, mas vai continuar acontecendo. E eles tendem a se comprometer com o grupo que os ajuda na tarefa. Do mesmo modo que no púlpito, o que é falado ali tende a causar eco – é palavra que gira, cumprindo seu destino.

Os repórteres que acompanham esses dois espaços – aqui citados como exemplo de um sem-número de possibilidades comunitárias – sabem que estão observando momentos genuínos. Ali, o debate não passa em alta velocidade, "desmanchando-se no ar", mas é maturado, formando opinião. Entende-se cada vez mais que esses mecanismos de discussão reagem à cultura do instantâneo e conseguem o que a "massa corrida" não consegue – um mínimo de densidade. Ficar em pé.

A experiência do Post é um farol para outras instituições. O jornal entendeu que não é preciso apurar o que as pessoas querem saber, mas saber sobre o que as pessoas falam. Não basta fazer um elogio à comunidade, é preciso entender seus mecanismos, respeitá-los, e começar a construção da notícia também por ele.

Em seu livro Comunidade, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman mostra onde se esconde o oxigênio do mundo e, não com essas palavras, parece apontar para a mesa de domingo, agora espaço desejado pelos jornalistas do Post. Sem essa instância intermediária, na qual a palavra é, digamos, insalivada, impera o esquecimento, e um alto grau de boçalidade.

Se há uma grande crise no mundo, essa crise é a das relações comunitárias, garantia de que haja espaços múltiplos em que os fatos passem pelo crivo dos valores, das memórias, das crenças dos grupos. Estar junto, já se disse, é o desafio do século 21. Do contrário, o que se tem é a dispersão imediata da informação, assim que ela é gerada, mergulhando gregos e troianos na escuridão.

A questão extrapola a importância da comunidade. Falta-nos associar a ausência da comunidade à ausência de civilização. Tantos problemas poderiam ser amenizados – violência, briga entre vizinhos, bullying escolar, trânsito, desperdício, baixa filantropia etc. – se contássemos com um maior número de fóruns de palavra, ou seja, grupos que garantissem o debate da informação, e mesmo a mediação de conflitos. É verdade que muitos deles estão instituídos, a exemplo dos conselhos tutelares, associações de bairro, centros de referência, mas as necessidades são maiores. Não se deve perder de vista a tal da sociedade complexa e suas necessidades cada vez mais específicas.

A ação truculenta das torcidas organizadas, o relacionamento algo traumático em muitos condomínios, os maus-tratos a crianças – para citar alguns casos – carecem de pessoas que sejam capazes de promover essa pequena conversa à mesa, acalmando ânimos, administrando vontades e certezas. Provas de que é possível o surgimento desses pequenos agentes pacificadores não faltam. Eles existem de fato, bastam ações que os ajudem a perceber o potencial de sua missão. E lembrar-lhes de que suas mediações podem virar conversa à mesa, na escola, reduzindo a velocidade com que nos atiramos à realidade, sem fazê-la nossa de fato.

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