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O endividamento das famílias atingiu, em fevereiro deste ano, um nível equivalente ao dobro daquele registrado há seis anos

Ao apresentar a Pesquisa de Condições de Crédito em Curitiba, na semana passada, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, afirmou que a inadimplência das famílias brasileiras não preocupa a instituição, e observou que na comparação com outros países, os índices de endividamento não são altos. Esse é um argumento frequente em algumas correntes de economistas, e peca por ignorar – ou dar por vencido – um dos maiores obstáculos à prosperidade dos brasileiros: os juros altos, que se tornam mais perniciosos em decorrência de uma predileção quase patológica por compras parceladas. Obstáculo que o governo reforçou com o pacote de auxílio às montadoras divulgado esta semana.

Dados do próprio BC mostram que o endividamento das famílias atingiu, em fevereiro deste ano (data da última informação disponível), 42,87% da renda acumulada em 12 meses. É um nível inédito, equivalente ao dobro daquele registrado há seis anos. Os bancos sentiram o efeito desses números em suas contas: a inadimplência das pessoas físicas em financiamentos bancários chegou a 7,59% em fevereiro, o ponto mais alto da série histórica – em março houve um ligeiro recuo, para 7,43%. Compreensivelmente, essas instituições passaram a ser mais restritivas em suas estratégias de liberação de crédito. O resultado prático desta atitude foi um aumento na quantidade de pedidos negados para financiamento, em especial no segmento de automóveis.

Os bancos reclamam, as montadoras reclamam – e o governo os atende, com uma série de medidas que incentivam a compra parcelada de automóveis: isenção de IPI (que baixa o preço dos carros), reduções de IOF e de compulsório (que diminuem o custo do financiamento). E, ao fazê-lo, comete ao menos três erros. O primeiro é o de exibir claro apreço por um setor econômico, em detrimento de outros. Não é de estranhar que empresários de outras áreas tenham vindo a público pedir desonerações para seus produtos e processos. O segundo é o de perverter a lógica econômica baseada no binômio oferta-demanda. A regra natural dos mercados manda que, quando a procura cai, o vendedor deve baixar o preço. Caberia a fabricantes e concessionários a tarefa de dar descontos, portanto, se é que a quantidade de carros em estoque realmente os incomoda.

Vistos em conjunto, esses passos revelam uma interpretação singular da noção de que cabe ao Estado ser o indutor do desenvolvimento. O entendimento clássico é de que os governos devem criar políticas gerais de incentivo (e não restritas, como no caso atual) e que façam sua parte, mediante o investimento em áreas multiplicadoras, como a infraestrutura e educação. O Brasil tem falhado em ambas as frentes.

O terceiro erro, o ato de incentivar o consumo via crédito quando os consumidores já demonstram estar endividados e pagando juros altos, parece ter menor conteúdo ideológico que os anteriores – e também tende a ser mais inócuo. O fato de o Banco Central conceder aos bancos vantagens para emprestar dinheiro para a compra de carros não obriga essas instituições a fazê-lo. Ainda que a renda continue a crescer e o desemprego se mantenha baixo, a bica do crédito continuará seca enquanto os índices de inadimplência não melhorarem.

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