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Seria desejável que a implantação do metrô fosse precedida de amplo projeto educacional, no qual se trabalhasse o grande desafio do século 21: o viver junto. O contrário disso é técnica vazia e dinheiro jogado fora

No início da década, a editora Aymará, de Curitiba, lançou uma série de livros didáticos feita para "revisar os conceitos", como diz a propaganda. A boa ideia – capitaneada pelo editor Áureo Gomes Monteiro Júnior – era educar pela cidade. Todo e qualquer conteúdo poderia ser desenvolvido tendo como ponto de partida a urbe. Algo como à Física pelo trânsito, à Botânica pelos parques, à Língua Portuguesa pelos grafites, assim, num contínuo, ao sabor da inventividade.

O projeto fez bela carreira e mais importante que a quantidade de municípios que o adotou é a influência que deixou. Ensinar tendo como fonte o que acontece na rua é um desafio sem par para um país de tradição conteudista, como o Brasil. Carregar a criançada para o espaço público, então, uma operação digna de Guerra de Troia. Não há pesquisas que comprovem, mas, depois que a editora abriu esse debate e essa prática, muitas escolas foram atrás da caravana, dando um passo que seja em direção à calçada e a quem passeia por ela.

Não é nenhum mar de rosas, evidente. Muitos e muitos pais veem a escola como espaço de segurança – querem seus filhos guardados e recebem com pedras na mão a notícia de que os seus foram ver o Rio Belém poluído, passando lodoso e abandonado no meio da Vila das Torres. Não raro, negam-se a dar autorização para o deslocamento. Acham que aluno tendo aula fora da escola é privilégio de quem mora na Europa, onde não faltam museus, igrejas e lugares cuja relação com os livros – de História, em especial – é flagrante. Uma pena.

O anúncio de que "vai sair" o metrô de Curitiba é uma boa oportunidade de reforçar os laços entre a escola e a cidade, fazendo do fato do noticiário um fato educacional. Num mundo perfeito, o natural seria que as instituições públicas e privadas aproveitassem o "momento metrô" para reforçar o debate de trânsito. Nos currículos, inclusive. Mal não faria lançar os alunos no grande campo de pesquisa da mobilidade, conceito no qual, igualmente, tantas realidades diferentes estão cotejadas.

Do contrário, corre-se o risco de que essa riqueza não passe de uma montanha de dinheiro – R$ 4,6 bilhões – destinada a desafogar o tráfego e devolver o sossego aos motoristas, finalmente sem impedimentos para pisar no acelerador, rumo ao Eldorado.

Em tempo. Por "reforçar" se entenda não apenas fazer discursos em prol da civilidade, mas explorar o motor intelectual que o assunto representa. É sortido qual o quê. A convivência entre gentes, carros, ônibus, bicicletas; as infinitas associações entre os habitantes da cidade são, entre outros, bases para um programa de ensino que só não dá lugar para o tédio. Serve para todas as gentes. Essa é a questão.

Uma das grandes lições do projeto Cidade Educadora, da Aymará, foi ensinar que das cidades depende o futuro. Nelas estão as soluções para todos os impasses contemporâneos – a violência, o meio ambiente, o mundo do trabalho. Acima de tudo, é no espaço urbano que vamos resolver a mais nevrálgica das questões: como viver juntos. Um metrô pode ser apenas um desperdício de dinheiro se acima dele não estiver uma sociedade apta a conviver, a equacionar diferenças, a administrar os espaços, a valorizar o que é público.

Muitos diriam que nada têm a ver alhos com bugalhos. Ledo engano. Um dos males do nosso tempo é imaginar que o avanço tecnológico tem o poder demiúrgico de criar ou de suplantar a cultura. Nesse sentido, o metrô seria uma coisa, e a educação para a vida urbana, outra. O pensador francês Dominique Wolton, um dos tantos a se debruçar sobre o assunto, alerta que não. Somos movidos a significados, seres culturais por excelência. A cidade tem de fazer sentido. O metrô não vai nos fazer, nós é que temos de fazê-lo. Esse é o ponto.

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