A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo de países ao qual o Brasil tem a ambição de aderir, publicou nesta quarta-feira um relatório sobre a economia brasileira, com 17 recomendações para que o país cresça de forma sustentável a partir de 2021. O evento virtual contou com a participação do secretário-geral do órgão, Ángel Gurría; do ministro da Economia, Paulo Guedes; e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O documento não quer reinventar a roda: ele não traz nenhuma grande novidade em relação às medidas que considera necessárias; mas às vezes o puxão de orelha, ainda mais vindo de uma entidade como a OCDE, é bem-vindo.
O recado da OCDE se resume a uma frase de Gurría: “gastar melhor em vez de gastar mais”. Nada que os governantes brasileiros não tenham ouvido antes, e até prometido em campanhas eleitorais, mas um objetivo que ainda assim não é colocado em prática por um Estado que se acostumou a se preocupar mais com a própria manutenção que com o bem-estar do cidadão. Aparentemente, nem mesmo o salto no endividamento brasileiro, com a dívida pública se aproximando perigosamente dos 100% do PIB graças aos gastos extraordinários (mas necessários) motivados pela pandemia de Covid-19, está criando senso de urgência na classe política como um todo.
Hoje, é a pandemia que arrasta a economia brasileira para baixo. Mas, quando ela terminar, o Brasil não terá como decolar se permanecer amarrado por um Estado inchado, ineficiente e gastador
As reformas administrativa e tributária não caminham, a PEC Emergencial está sendo enormemente desidratada, o orçamento da União continua engessado, flerta-se com desrespeito ao teto de gastos, as privatizações emperraram – no episódio mais recente, foi o próprio presidente Jair Bolsonaro a prometer que a Ceagesp, incluída no plano de desestatização do governo em 2019, não mais seria privatizada. Ou seja, exatamente o oposto daquilo que a OCDE considera necessário para uma retomada forte da economia brasileira no pós-pandemia.
Também a questão ambiental mereceu observações da OCDE, com a cobrança por um combate mais eficaz ao desmatamento, tema no qual o Brasil vem se colocando na defensiva recentemente. Paulo Guedes afirmou que o país “entendeu o recado” – em uma postura bem mais conciliadora que a adotada em outras ocasiões –, mas essa é uma área em que o Brasil ainda tem de mostrar mais serviço. É verdade que nações ameaçadas pela pujança do agronegócio brasileiro tendem a exagerar as deficiências do país na preservação ambiental como pretexto para manter posturas protecionistas, mas os problemas são reais e há setores dentro do governo conscientes de que um desleixo na área ambiental pode, sim, fechar as portas aos produtos brasileiros, limitando as oportunidades de crescimento.
Nem todas as recomendações, no entanto, tratam especificamente da retomada econômica. Um tema muito caro à OCDE é o combate à corrupção, e a entidade incluiu em seu relatório a defesa da possibilidade de início de execução da pena a partir da condenação em segunda instância, prática que vigorou no Brasil pela maior parte do período pós-redemocratização, mas que no momento está vetada por decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada em 2019. Na ocasião, o braço anticorrupção da OCDE manifestou sua preocupação com a decisão, que poderia até mesmo atrapalhar o processo brasileiro de adesão ao grupo. Mesmo assim, até hoje nenhum dos projetos apresentados ao Congresso para permitir a prisão após condenação em segunda instância prosperou.
Hoje, é a pandemia que arrasta a economia brasileira para baixo. Mas, quando ela terminar, o Brasil não terá como decolar se permanecer amarrado por um Estado inchado, ineficiente e gastador, se a iniciativa privada seguir amarrada pela burocracia e por um sistema tributário enlouquecedor, se os corruptos continuarem confiantes na impunidade. Seguir as recomendações da OCDE colocaria o Brasil em uma boa posição para aproveitar as oportunidades que virão quando a Covid-19 for vencida, e tanto no governo quanto no Congresso há quem tenha consciência de que esse é o melhor receituário, e precisa ser colocado em prática o quanto antes. Mas, enquanto esse grupo for minoria, o Brasil continuará a ser o “país do futuro” que nunca chega.