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A crise do setor de controle aéreo comprova, para o segundo governo Lula, o ditado popular de que a vida é feita de bons e maus pedaços, alternando períodos de "vacas gordas" com fases de "vacas magras" – segundo a tradição bíblica. Após o primeiro mandato, apesar do mensalão e dos sanguessugas, a coalizão formada em torno do presidente Lula venceu com folga, porque a sociedade se convenceu de que o retirante nordestino com carreira no Centro-Sul era a melhor opção. Neste reinício, os bons ventos do cenário internacional – como os recentes acordos celebrados com os Estados Unidos – acabaram abafados pelo apagão aéreo que, não sendo bem conduzido, afetará o governo.

Mesmo com esse problema, o presidente Lula é mais bem avaliado do que colegas nas vizinhanças, graças à linha de esquerda pragmática e ao bom senso que imprime à gestão do país. Um exemplo foi a fórmula que adotou para incorporar o PDT ao governo sem desconsiderar a necessidade de mudança na Previdência: o dirigente da legenda brizolista, contrário à reforma, foi nomeado ministro do Trabalho, de onde o sr. Luiz Marinho saiu para a pasta previdenciária.

Mas com o apagão aéreo, o governo Lula acumula dois passivos de peso: a crise da aftosa, de 2005, e a do controle aéreo nos últimos seis meses. No primeiro caso, as perdas de mais de 1 bilhão de dólares – com reflexos inclusive no Paraná – deveram-se à retenção de verbas para o controle sanitário das fronteiras, permitindo internação de gado contrabandeado da Bolívia por criadores assentados no Mato Grosso.

Mesmo assim, a equipe econômica prosseguiu sustentando superávits fiscais elevados para financiar a dívida pública com seus juros desalinhados. Além do prejuízo das doenças do gado, um dessas retenções de recursos ocorreu na área de tráfego aéreo: cada passageiro paga tarifas para voar, mas o montante não é inteiramente aplicado em sua finalidade óbvia – equipar aeroportos e o sistema de segurança dos vôos – porque acaba retido no Tesouro.

Esse desvio de recursos, aliado ao vezo dos militares em exercer o papel de controle sobre a aviação civil, mais o loteamento político dos cargos nas entidades do setor compuseram o caldo de cultura da rebelião militar do último fim de semana – a mais grave desde a década de 1960, que desaguou na ruptura da ordem democrática. Confrontada com uma situação de fato, a cúpula da Aeronáutica acatou a decisão presidencial de não punir os insubordinados; mas persistirão as tensões derivadas da forma com que o assunto foi negociado, saltando princípios de hierarquia e disciplina.

Se as autoridades tivessem corrigido as deficiências em período oportuno – equipando o departamento de tráfego aéreo e transferindo suas operações para a área civil –, agora teriam meios para enfrentar emergências: o uso de equipes de reserva militar da Defesa Aérea. Instalado o problema, foi necessário lançar mão de um gabinete ministerial de crise para literalmente "dissolver o nó", porém com repercussões sobre a legitimidade política.

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