• Carregando...

Ao escolher Renan Calheiros para a presidência da Casa, 56 senadores endossaram a decadência moral e se mostraram indignos daqueles que os elegeram

Teoricamente, o Brasil vive sob um sistema político a que se dá o nome de democracia representativa. Por meio dele, os eleitores delegam a vereadores, deputados e senadores o poder de decidir em seu nome – o que, em tese, deveria significar que os representantes eleitos – desculpem a redundância – representassem a maioria em relação aos múltiplos aspectos que caracterizam a convivência em sociedade. Seus mandatos se legitimariam se, na atuação como cidadãos e como parlamentares – quer propondo e votando leis quer em relação à própria conduta pessoal –, fossem iguais ou, preferentemente, melhores que a maioria dos eleitores.

A eleição, ontem, de Renan Calheiros (PMDB-AL) para a presidência do Senado desmentiu outra vez a teoria. Ou melhor, confirmou que, na prática, a teoria é bem outra. A acusação de que é autor de três crimes – peculato, falsidade ideológica e utilização de documentos falsos – não importou para que, de um total de 78 senadores presentes à sessão, 56 sufragassem seu nome. Apenas 18 manifestaram repúdio à candidatura ao preferirem votar no pedetista matogrossense Pedro Taques.

Pelo critério da proporcionalidade, os 70% dos senadores que votaram em Renan Calheiros representaram a vontade de 70% dos eleitores que lhes deram cadeiras no Senado Federal. Maioria tão expressiva do eleitorado brasileiro teria adotado o mesmo caminho, isto é, de colocar na presidência do Congresso Nacional – instituição que (outra vez em tese) deveria representar a média do pensamento e dos anseios do povo – alguém sem as mínimas credenciais éticas para comandar o Senado? Há sobejas razões para acreditar que a maioria dos senadores não atendeu à vontade popular.

Não se trata de condenar a democracia representativa. Pelo contrário, desde a participação direta do povo na ágora grega, substituída depois pela instituição do voto delegatário do povo a representantes escolhidos livremente, afigura-se ainda como o melhor sistema, apesar de todas as suas imperfeições. Ficou famosa a célebre frase de Churchill, concebida com a típica ironia do humor inglês: "A democracia é o pior dos regimes, com exceção de todos os outros". Mas não vemos a democracia com o sarcasmo do grande líder britânico: ela tem, sim, valores intrínsecos que superam de longe suas deficiências.

Entretanto, chega a configurar uma agressão ao princípio basilar da democracia representativa o descaso com a opinião popular que marcou o retorno de Renan Calheiros à presidência do Senado – cargo que, em 2007, já havia perdido em razão das comprovadas denúncias quanto ao seu condenável comportamento ético. Tão graves os fatos e tão pífios e inúteis foram seus esforços para, à época, se defender das acusações que o senador acabou renunciando ao próprio mandato. O que não deixou de ser uma confissão.

A grande lástima – e aí está uma das imperfeições do sistema representativo – é que a eleição de ontem serviu, outra vez, para reforçar o generalizado desencanto da sociedade com os políticos profissionais eleitos a cada quatro anos: após eleitos, agem como bem entendem e em diametral oposição às juras de boa conduta e de estrito respeito à vontade popular que fizeram para conquistar o voto do povo e bem representá-lo.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]