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| Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ

Aparentemente, para a magistratura, poucas questões são mais relevantes que a do auxílio-moradia. O benefício revogado por Luiz Fux poucas semanas atrás ganhou prioridade absoluta a ponto de entrar na pauta da reunião do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) marcada para esta terça-feira, podendo ser restaurado, ainda que não nos moldes que prevaleceram por quatro anos, graças ao próprio Fux.

Em 2014, lembre-se, o ministro Fux, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminares para que toda a magistratura recebesse, a título de auxílio-moradia, um valor fixo (no caso, cerca de R$ 4,3 mil), independentemente de o juiz ou desembargador ter imóvel no local onde trabalha. Estava claro que esse pagamento tinha caráter remuneratório, e não indenizatório, desrespeitando claramente a Constituição Federal. Mesmo assim (ou talvez por causa disso), Fux segurou as liminares por anos, jamais permitindo que a questão fosse a plenário – por um breve período, ele liberou as ações para julgamento, retirando-as logo depois. Só quando o Congresso aprovou e Michel Temer sancionou um reajuste para os ministros do STF é que Fux revogou suas liminares, mas deixando claro que se tratava de uma decisão de conveniência e que, em sua opinião, o pagamento do benefício nos moldes determinados por ele em 2014 se justificava.

Em um cenário ideal, o auxílio-moradia seria não apenas indenizatório, mas temporário

Em sua decisão de novembro, o ministro determinou que o CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) regulamentassem o auxílio-moradia, o que por si só é bastante controverso. Afinal, a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), no caput de seu artigo 65, afirma que “vantagens” como o auxílio-moradia “poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei”, mas esse trabalho de regulamentação seria do Poder Legislativo, e não do CNJ ou do CNMP. 

Pela proposta que está na mesa do CNJ, só poderá receber o dinheiro o magistrado que for transferido para um local onde ele não tenha imóvel próprio e onde também não exista residência funcional. Será preciso apresentar comprovante de gastos com aluguel ou hospedagem – o que deixa subentendido que o valor pago será o mero reembolso desses gastos, sem um centavo a mais –, e não será possível acumular auxílios com o cônjuge. No entanto, a proposta ainda pode ser alterada na reunião no CNJ e, dada a paixão com que as associações de magistrados têm se pronunciado sobre o assunto, não se descarta que a versão final acabe próxima ao que vigorava até pouco tempo atrás.

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Supondo que o CNJ mantenha a proposta – pagamento em valor idêntico ao gasto efetivo com aluguel ou hospedagem, apenas para quem é transferido a local onde não há imóvel próprio ou funcional –, pelo menos se pode dizer que ela respeita o caráter indenizatório que o auxílio-moradia deveria ter. Mas isso nem de longe deveria ser sinal de alívio para o contribuinte que banca esse benefício, pois ainda existe a possibilidade de o magistrado simplesmente se acomodar e transformar o provisório em permanente, fazendo o poder público financiar indefinidamente a moradia deste juiz ou desembargador. Um acinte para o brasileiro que tem de usar o seu salário para pagar o aluguel ou a prestação do seu imóvel – ainda mais quando se sabe que a remuneração de um magistrado, mesmo antes do reajuste de 16%, é mais que suficiente para cobrir esse tipo de despesa. Em um cenário ideal, o auxílio-moradia seria não apenas indenizatório, mas temporário, com duração definida, apenas o suficiente para que seu beneficiário se instale e passe a buscar opções de moradia condizentes com seu salário.

Tudo isso, é preciso ressaltar, só é possível porque Fux (e, graças à sua estratégia, o plenário do Supremo) não definiu nada sobre a constitucionalidade do auxílio, limitando-se a revogar suas liminares de 2014. E o pagamento do benefício é previsto pela Loman. Ela é que precisa ser alterada para que a concessão de benefícios aos magistrados seja aperfeiçoada dentro de critérios mais compatíveis com o princípio da moralidade. Tais alterações, no entanto, precisam da iniciativa do próprio Poder Judiciário. É o mínimo que se espera daquelas instituições nas quais tantos brasileiros depositam a esperança de um país melhor.

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