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Conta a lenda que um esperançoso moleiro prussiano do século 18, diante da ameaça de ver seu velho moinho destruído pela vontade do rei, ousou desafiar Frederico II com uma célebre resposta. "Ainda há juízes em Berlim!", disse ele, citando a corte à qual recorreria caso viesse a ser espoliado do único bem com que sustentava modestamente a família. Da mesma esperança ainda podem compartilhar os brasileiros do século 21 diante das evidentes manobras empreendidas pelo governo da presidente Dilma Rousseff para abafar o petrolão, um dos mais escabrosos casos de corrupção nas entranhas do poder que a história pátria registra.

A lembrança da lenda alemã vem a propósito da despedida, ontem, do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), que deixa o Congresso para ocupar a vaga deixada no Tribunal de Contas da União (TCU) pela aposentadoria do ministro José Jorge. Seria mera coincidência? Vejamos: era de José Jorge a relatoria das contas da Petrobras, que já apontavam desvios na estatal da ordem de R$ 700 milhões; caberá ao seu substituto, Vital do Rêgo, dar as consequências legais às irregularidades constatadas; Vital, no entanto, ainda senador, exerceu a presidência das duas monótonas CPIs do Congresso instaladas para investigar a Petrobras – tarefa que ele vinha cumprindo diligentemente no sentido de não levá-las a lugar nenhum. Estaria o governo esperando dele idêntico comportamento no TCU?

O nome do senador paraibano, que será um dos três ministros do TCU indicados pelo Senado, foi aprovado para o cargo no começo deste mês por duas instâncias da casa – a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e o plenário, onde obteve ampla maioria: 63 votos a favor e um único contrário, o do senador pernambucano Jarbas Vasconcelos (também do PMDB), que percebeu o perigo de o caso do petrolão ganhar proteção no âmbito do TCU. Na semana seguinte, a Câmara também não impôs dificuldades à indicação: 313 votos a favor, oito contrários e oito abstenções.

Mas, como dizia o moleiro da lenda, "ainda há juízes em Berlim". Enquanto os andares superiores do poder político parecem estar empenhados na "operação abafa" ou, no mínimo, em mitigar os efeitos políticos desastrosos da trama de corrupção na Petrobras, um só juiz de primeira instância, em Curitiba, com tanto rigor quanto inteligência, trata de pavimentar um caminho sem volta, auxiliado por duas outras forças que, até o momento, têm se mostrado independentes: a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.

A cada dia o escândalo expande seus contornos e revela tentáculos. Doleiros, diretores da estatal e executivos das maiores empreiteiras do país, presos por ordem do juiz Sérgio Moro, já fizeram jorrar informações com força suficiente para destroçar inúmeras e poderosas reputações – estas, entretanto, ainda guardadas em segredo para que as investigações e o processo criminal não migrem imediatamente para instâncias superiores da Justiça e se percam sob o risco de que se transforme foro privilegiado em impunidade geral.

Assim, embora haja o temor de que Vital do Rêgo se comporte no TCU com a mesma leniência com que se portou até agora nas duas CPIs, e também haja a certeza de que inevitavelmente o processo chegará ao Supremo Tribunal Federal (STF), não há volta possível em relação ao tanto que já se apurou sobre o caso Petrobras. O que é suficiente para tornar praticamente impossível o êxito completo da intentada "operação abafa". Assim como no caso do mensalão, nem todos ficarão impunes. Graças a um "juiz de Berlim".

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