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 | Albari Rosa/Gazeta do Povo
| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Certa feita, o sociólogo Francisco de Oliveira definiu o sistema prisional como um dos sintomas da nossa esquizofrenia democrática. Trata-se do único serviço público (logo, custeado pela população, via pagamento de impostos) sobre o qual essa mesma população não pede prestação de contas. Ao contrário, para muitos a invisibilidade das prisões é desejável.

A explicação para esse disparate – “pago pelo produto, mas não quero saber o que é feito do dinheiro” – não chega a ser complexa, ainda que absurda. Passa pela dificuldade geral da nação em lidar com as escalas cósmicas da violência. Sem conseguir entendê-la nem como aplacá-la, o cidadão comum se defende abstraindo o sistema prisional de suas preocupações. É problema do Estado, que recebe o pagamento com o ônus, inclusive, de não contar o que faz com ele.

Não é, obviamente, a melhor política. Ao não ser visto pela população – nem entendido como questão pública –, o sistema prisional fica à mercê de toda sorte de desmandos, triturado pelas incompetências. O pior é que, não sendo visto, não será cobrado, deixando de cumprir uma de suas funções – a de reintegrar os que pagam suas dívidas com a Justiça.

A lista de oferta de serviços nas penitenciárias carece de uma rebobinada corporativa

Daí não haver muita surpresa em, volta e meia, alguma apuração jornalística – ou uma visitinha da presidente do STF, Cármen Lúcia, que recentemente desistiu de um evento de juízes em um resort no Nordeste e, no mesmo fim de semana, foi à Papuda, em Brasília – dar conta da ineficiência do sistema. Em especial na tarefa de garantir ao preso um recomeço, sem o qual sua estadia atrás das grades não passa de um estágio no inferno. Estudar e trabalhar nas penitenciárias brasileiras, só com muita sorte, depois de enfrentar muita fila. A situação falimentar dos Centros Especiais de Educação de Jovens e Adultos já era tragédia conhecida. Estudar diminui a pena, mas conseguir estudar é para poucos agraciados. Não há vagas – na Penitenciária Central do Estado (PCE), por exemplo, apenas 10% dos presos conseguem um lugar à frente do quadro-negro. A fila de espera é uma pena à parte.

Quanto ao trabalho, a média é de dois empregados a cada dez presos, um número ruim, mas que piora à medida que se avalia o tipo de atividade oferecida. A crítica mais comum é que diminuir penas costurando bolas de futebol é a mais preguiçosa das políticas públicas. O presídio, nesses casos, não passa de fornecedor de mão de obra barata, um fomentador de movimentos repetitivos. Uma vez em liberdade, o ex-detento não há de garantir seu sustento com a habilidade com as agulhas.

Em miúdos, a lista de oferta de serviços nas penitenciárias carece de uma rebobinada corporativa – 80% das cadeias e similares não contam com marcenarias, padarias ou uma fabriqueta que seja, o que é um solene desperdício de recursos. Apenas 116 mil presos trabalham, o equivalente a 20% do total. A população carcerária é estimada em 622 mil pessoas. Os dados são do Ministério da Justiça, equivalentes ao segundo semestre de 2014 e divulgados em abril deste ano.

Dentre os que furam a falta de ofertas e conseguem uma vaga, mais de um terço não ultrapassa a função de faxineiro, cozinheiro ou, com alguma sorte, bibliotecário. É preciso lembrar que esses índices ferem a Lei de Execução Penal, que regula a política de ganhos e de redução de pena pelo trabalho.

O sistema guarda lá suas virtudes – impossível que não as tenha –, mas, como prisão interessa apenas em dias de rebelião, a frouxidão vira a cortesia da casa. O Paraná é o sexto estado do país com mais oferta de ofícios para os presidiários – 27% do total. O Mato Grosso do Sul lidera, com 37%. Depois vêm Amapá, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rondônia. O lanterninha é o Rio Grande do Norte, com 3% de presos empregados. Esses números nos dizem respeito.

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