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É de consenso que os países-sede de Copa do Mundo lucram menos do que o esperado com a competição. Mas nada como o benefício da dúvida. E esse é o nosso momento – esperamos que os lucros venham, pagando os transtornos. Um dos ganhos imediatos, diz-se, é no campo do turismo. E nesse quesito nos saímos bem, ou pelo menos poderemos nos sair. As pesquisas de opinião mostraram alto grau de satisfação dos visitantes com o atendimento recebido no país. Os aplausos são menos intensos quando se fala dos preços praticados neste rico e imenso país. Nada que não se possa corrigir, se encontrarmos algo que nos faça acordar dos vícios da usura. Noves fora, tudo indica que muitos estrangeiros vão voltar para uma segunda rodada.

Há, contudo, um ganho relativo à Copa que escapa à macroeconomia. Está ao rés do chão, e não depende tão somente dos governos e da boa vontade dos estrangeiros para que aconteça. As cidades que receberam jogos, aprovemos ou não, passaram por melhorias urbanas e cabe à sociedade fazer vingar o que foi feito. Do contrário, não passará de embelezamento, o que nada tem a ver com o urbano, confirmando o que profetizou Henri Lefebvre em seu definitivo O direito à cidade, ao se referir aos locais que não passam de aglomerados fabris.

O alerta vale para Curitiba. Em tempo recorde, a prefeitura mostrou (ou descobriu) que dava para arrumar calçadas, melhorar a iluminação, arranjar ciclovias, melhorar a mobilidade e o policiamento. Vias importantes da capital, como a Avenida Getúlio Vargas – uma das que mais nos aproximam de uma metrópole –, ficaram muito melhores. A "Getúlio" pede um passeio de domingo. Ganhou, inclusive, bancos, o que ajuda na criação de espaços de convívio, verdadeiras pracinhas de quarteirão. As caminhadas noturnas são outra pedida. O mesmo vale para as principais ruas do antes escuro – e com crescimento negativo – bairro do Rebouças.

A questão é que a Copa acabou e o uso desses espaços renovados não aconteceu. Exceto por uma ou outra dama com o cachorrinho, o entorno da Arena da Baixada permanece pouco convidativo. Pergunta-se se a reurbanização, por si só, é capaz de mudar as práticas da população, lançando-a na melhor de todas as políticas – o estar na rua. Ou se, sem um empurrãozinho, o povo tende a repetir os costumes de sempre. Diz que não frequenta o espaço público porque tem medo, porque não há calçada, porque não há iluminação, mesmo quando repete essa cantilena triste como reflexo condicionado. As melhorias chegaram, mas são negadas.

O banco de apostas indica, sim, que as melhorias urbanas chamam ao uso. Mas sugere, do mesmo modo, que as primeiras e segundas impressões sobre um determinado local se sobrepõem às remodelações, podendo, inclusive, sobreviver a elas. Nesse caso, ações são necessárias, de modo a carregar as pessoas, como que pela mão, aos espaços que elas tendem a rejeitar. Em miúdos, a hora é de ressignificar o entorno da Arena, permitindo que os moradores e visitantes acumulem novas experiências sobre o local. É preciso substituir o estigma da via perigosa, da via de passagem de carro, do belo túnel de árvores perfeito para ser observado de forma ligeira.

Um bom começo é fazer diagnósticos, de modo a programar ações. A Praça Afonso Botelho deixou de ser um local abandonado. O posto policial contou a favor, mas também o projeto esportivo que a prefeitura instalou ali. A tendência é que as pessoas voltem a fazer o que faziam antes, agora com o acréscimo da Rua Buenos Aires, em certo sentido apropriada pelo estádio. Foi dolorosa a saída dos moradores para dar lugar às escadarias – uma violência. O mínimo que se espera é que a área se torne um local agradável. Talvez os usuários da praça o façam naturalmente. Mas que tal uma feira?

Quanto às ruas em volta – em especial a "Getúlio" –, padecem de um dos males do nosso tempo. De um lado, é quase toda tomada de condomínios verticais antigos: 3,4 mil das 4,6 mil moradias da chamada "zona da Fifa" são apartamentos, o que sugere que a calçada será incorporada como área livre pelos moradores, a exemplo do que ocorre na Avenida Iguaçu, em seus melhores trechos. Moram na região 12 mil pessoas. De outro, tornou-se via monotemática. É a rua das lojas de cozinha, um comércio que encerra no fim de tarde e atrai o público num momento muito específico. Quantas cozinhas projetamos ao longo da vida?

Resumo da ópera: a bela avenida curitibana precisa de um projeto de lazer, um occupy, da organização dos moradores, para que reencontre sua vocação. Atividades infantis, interferências artísticas, caminhadas promovidas por unidades de saúde, procissões religiosas... A lista é tão longa quanto a criatividade. Não é nenhuma Copa do Mundo. Pode ser muito melhor que isso.

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