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O governo é uma espécie de condomínio que presta serviços e faz investimentos que atendam ao interesse de toda a população, com o dinheiro arrecadado em forma de tributos (impostos, taxas e contribuições). Em face do tamanho do país e das diferenças regionais, o Brasil está estruturado como uma federação composta de três níveis de governo (municípios, estados e União). A legislação tributária busca atender às necessidades de recursos financeiros para que cada ente federado cumpra sua missão constitucional e preste os serviços que constitucionalmente lhe cabem.

O sistema tributário brasileiro atingiu um nível tal de complexidade, confusão e distorção, que a reforma tributária transformou-se em consenso nacional. Praticamente não há quem discorde de que é preciso reformar o sistema, reduzir a carga, simplificar as leis e melhorar a distribuição dos recursos. Para orientar o orçamento no âmbito do governo federal, a cada ano é aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com o objetivo de orientar a elaboração dos orçamentos fiscal e da seguridade social e de investimento das empresas estatais. Pela lógica econômica e pela lei, o orçamento deve estimar as receitas e fixar as despesas do exercício anual, e compete à LDO definir as metas e as prioridades da administração pública, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, além de dispor sobre eventuais alterações na legislação tributária.

O orçamento deve ser elaborado, discutido e aprovado pelo Congresso Nacional no segundo semestre, para ser executado no ano seguinte. Até aí, é uma rotina que se repete a cada ano e não haveria muito o que comentar, além das análises dos programas, projetos, metas e valores destinados a cada função de governo. En­­tretanto, neste ano especificamente, a LDO chama a atenção por inovações estranhas e prejudiciais às boas práticas de gestão pública, em termos éticos e de eficiência gerencial. O Poder Executivo pede ao Congresso um espécie de cheque em branco para gastar conforme seus desejos, passando por cima de normas consagradas de boa gestão do dinheiro público.

Da forma como foi concluída, com vários vetos presidenciais, a LDO autoriza o governo a fazer gastos sem submeter-se às regras do Tribunal de Contas de União (TCU), as quais, apesar de rígidas, visam a garantir lisura na aplicação dos recursos. Em outra parte, a lei livra empresas estatais, como Petrobras e Eletrobras, de terem que observar tabelas de preços fixadas pelo TCU, criando facilidades de contratação com vistas à realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014. As exigências e os procedimentos impostos na execução orçamentária fazem parte de uma filosofia que, levando em conta a diversidade da máquina pública e a complexidade dos gastos governamentais, tem como meta impedir desvios éticos e conseguir a maior eficiência possível na aplicação dos tributos.

A atitude do governo, criando, por via de legislação, atalhos para driblar as boas práticas, é um péssimo exemplo dado por dirigentes públicos, a começar pelo presidente da Repú­­blica. O Brasil conseguiu algum avanço na ética e na eficiência gerencial a partir da Lei de Res­­ponsabilidade Fiscal, mas há ainda um longo caminho rumo ao projeto de fazer do governo um ente mais eficiente e ético. No momento em que o Poder Executivo adota medidas como essas, que desfiguram a LDO e dão margem a comportamentos pouco recomendáveis na gestão do gasto público, o país dá um passo atrás e lança um mau exemplo. Justificar tais medidas sob o argumento de que o país precisa resolver o problema da Copa do Mundo, porque o go­­verno prometeu mais do que podia, ou que é preciso fazer investimentos com mais rapidez não é algo razoável. Nenhum argumento, por mais nobre que possa parecer, justifica o abandono de regras, normas e práticas reconhecidamente necessárias para a lisura e a eficiência na aplicação do dinheiro público.

Nesse episódio, o governo deixa um mau exemplo para as próximas gerações de gestores públicos, como se aos governantes populares tudo fosse permitido. O TCU não pode ser diminuído nas suas atribuições, pois trata-se de órgão de fiscalização e normatização fundamental em um país livre e democrático.

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