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| Foto: YURI KADOBNOV/AFP

O ditador Nicolás Maduro, da Venezuela, indicou o general Manuel Quevedo, egresso das hostes do bolivarianismo e notório pela repressão às manifestações populares em 2014, para dirigir a PDVSA, a estatal venezuelana do petróleo. A indicação foi precedida por uma verdadeira devassa, promovida pelo Procurador-Geral Tarek William Saab, que já prendeu cerca de 50 ex-dirigentes da empresa por acusações de corrupção. Maduro aproveitou-se dessa cortina de fumaça e do rebaixamento da nota da PDVSA e do país em meados deste mês para, na prática, entregar a joia da coroa da economia ao setor militar leal ao regime, escancarando de vez o fato de que o país se tornou uma ditadura militar socialista.

A indicação de Quevedo, que não tem qualquer experiência no setor e aumenta a preocupação de fuga de quadros técnicos, e de outros militares para os ministérios do Comércio Exterior, Investimentos Estrangeiros e Hábitat e Moradia consolida o poder da caserna e de paramilitares – as cruéis milícias bolivarianas – em um momento no qual a assembleia constituinte, títere de Maduro, redesenha as instituições do país. O protagonismo dos militares cresceu durante a presidência de Hugo Chavez, que aparelhou as Forças Armadas, e se acentuou durante o governo do tiranete Maduro, que promoveu, desde 2013, cerca de 900 oficiais às patentes máximas da corporação, prendendo e expurgando militares de oposição.

China e Rússia se tornaram os principais esteios de Maduro

Com a desculpa esfarrapada de enfrentar as “forças imperialistas” e uma “guerra econômica” de empresários e da oposição para desestabilizar o país, militares alinhados hoje controlam a distribuição de alimentos, grande parte do câmbio paralelo – a cotação real do dólar já passou dos 20 mil bolívares – e a política habitacional do país. Isso sem contar as denúncias sobre o envolvimento com o tráfico de drogas. Com a distorção dos mecanismos de mercado e a escassez crônica de insumos, a população mais pobre é quem mais sofre, a começar pela inflação galopante, cujas projeções oscilam entre 700% e 1400% para este ano. Quem não quer passar fome e não tem os meios de migrar do país acaba tendo de aderir à corrupção e à propina ou empenhar quase toda a renda para garantir a subsistência. Às custas de uma população espoliada até pela falta de papel higiênico, os setores alinhados ao “socialismo do século XXI” se transformam na versão latino-americana da antiga burocracia soviética.

Esses setores agora terão acesso privilegiado às abundantes receitas da venda de petróleo. Embora a produção da commodity venha caindo e esteja na menor quantidade em duas décadas, ela responde por 95% das receitas do país, que não conseguiu diversificar sua economia: nos anos de abundância, quando os preços internacionais estavam altos, Hugo Chávez preteriu investimentos e modernização econômica ao apostar em uma política populista e de compra do apoio dos setores que hoje sustentam Maduro. Pairando sobre a terra arrasada em que se transformou a Venezuela, o setor petrolífero continua sendo o ponto nevrálgico de financiamento do regime.

Opinião da Gazeta: Maduro, o caloteiro (editorial de 19 de novembro de 2017)

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Os Estados Unidos, que ainda são os maiores compradores de petróleo venezuelano, estão finalmente se movendo para deixar de financiar a ditadura de Maduro, ainda que indiretamente. A última rodada de sanções impostas em agosto pelo governo de Donald Trump, ao impedir que empresas e cidadãos americanos comprem títulos da Venezuela e da PDVSA, indica que o país está disposto a buscar soluções para diminuir as compras de petróleo do regime. Hoje, 7,5% do petróleo importado pelos americanos vêm da Venezuela – isso representa, nas exportações venezuelanas, o dobro do que o país vende para a China.

No entanto, já não se pode explicar a persistência do regime bolivariano – alguns, com razão, diriam a desfaçatez – sem o peso econômico e diplomático da China e da Rússia, que se tornaram os principais esteios de Maduro. Autoridades venezuelanas já veem esses dois países como um “plano B” para o petróleo se os Estados Unidos realmente endurecerem as sanções. Desde 2006, em troca do insumo, a China já emprestou cerca de 60 bilhões de dólares à Venezuela, e a Rússia, cerca de 17 bilhões. Moscou também tem investido fortemente em blocos de petróleo venezuelanos e fornecido armamento pesado a Caracas, o que tanto mais agrada aos setores militares que apoiam o regime quanto mais permitem que se fortaleçam por trás da retórica estapafúrdia da guerra imperialista.

Qualquer ação efetiva em relação à Venezuela deve levar em conta esses fatores e já é passada a hora de a América Latina assumir sua parcela de responsabilidade no caos em que se transformou o país. Por muito tempo, governos de esquerda da região deram apoio moral e financeiro ao descalabro em que transformou a Venezuela. Os custos humanos já começam a transbordar nos milhares de refugiados que chegam ao Brasil e nos milhões que já chegaram à Colômbia. É necessário que se aposte em todos os mecanismos multilaterais para pressionar a ditadura de Maduro, mas é preciso mais. É necessário os países da região atuem em uníssono e cobrem Rússia e China para que deixem de financiar o regime o mais rápido possível, com os menores custos humanitários para a população que já sofre tanto nas mãos de seus tiranos. Só assim a Venezuela poderá reencontrar o caminho de eleições livres, da democracia plena e do crescimento econômico que sustente seu desenvolvimento.

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