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As elites – ah! As elites. A palavra, não é de hoje, tem o poder de provocar engulhos nos estômagos mais resistentes. Esse efeito colateral é fruto de uns bons anos em que foi associada à pior das espécies parasitárias – daquelas capazes de arruinar uma floresta inteira. Nos anos Lula, a artilharia pesada contra "a turma do capital", digamos, acirrou-se, agravando o já altíssimo grau de confusão sobre o assunto.

É preciso ser realista. Vai levar uns bons anos para que a média dos brasileiros distinga "elites" e "elites", afinal, são palavras idênticas, de significado similar, ainda que possa haver um abismo entre elas.

Sabe-se de cor e salteado o que vem a ser a "elite predadora" – aquela que é sempre lembrada nos palanques como a culpada de tudo – dos cupins na madeira à praga das saúvas. E quase nada sobre as "elites pensantes", sem a qual não se verá país nenhum.

A confusão constante entre as duas – e não raro irresponsável – prejudica, claro, o lado mais fraco, perpetuando uma espécie de "círculo da burrice", atrasando uma reação urgentíssima. Ter elites é preciso – ambas.

Aos fatos. É indiscutível que parcela expressiva das elites econômicas do Brasil, via de regra, falharam com o país que tanto lhes deu, do berço de ouro aos salões elegantes, passando pelos tours em aeroportos internacionais, chegando aos mausoléus dignos de Montmartre.

A comparação com os Estados Unidos – tão Mundo Novo quanto nós – é flagrante. A figura do empresário que investiu parte de seu patrimônio em universidades, em ciência e repassou parte de sua fortuna para a chamada sociedade do conhecimento grassa por lá.

Entre nós, é mais fácil identificá-los a playboys, à vida louca, ao exibicionismo classe média, aos prédios esnobes com chafariz na frente do que com alguma pesquisa de ponta ou coisa que valha. Impossível não lembrar de Jorginho Guinle – que se orgulhava de nunca ter trabalhado e de seu affair com Marilyn Monroe. Até onde se sabe, dedicou-se pouco aos livros nas horas vadias.

O paralelo Brasil-EUA, diga-se, nem sempre é justo. O Brasil, cansamos de repetir, não é para iniciantes. Há de se considerar, por exemplo, que a elite econômica tangencia a elite intelectual. Os mais ricos tiveram mais acesso a viagens e estudos, logo... O problema é que o mínimo múltiplo comum das duas elites é nebuloso – e na névoa anda-se em sobressalto.

É antológico o lamento de Alfredo Bosi – um dos maiores intelectuais brasileiros – sobre a inanição intelectual da elite brasileira em seu fundamental Dialética da Colonização. Os mais atentos, contudo, interpelariam Bosi citando os irmãos Walter e João Moreira Salles – cuja origem dispensa apresentações – e o saudoso bibliófilo José Mindlin, empresário que se tornou símbolo da propagação do livro e da leitura no Brasil. Há algo de Mindlin no curitibano Marcelo Almeida, herdeiro de empreiteiro, mas devotado às Letras. E a lista por aí vai, nutrindo-se de exemplos esparsos, conseguidos com esforço.

O problema é quando o cenário pouco animador de "elites" e "elites" em desalinho serve de desculpa para que se cruze os braços e não se faça muito para reforçar o rol de cientistas, leitores e pesquisadores no país – não importa em que berço tenham nascido.

É de fato assunto urgente, mas relegado à despensa. O "momento nacional" ainda é o da inclusão de mais e mais pessoas no sistema de ensino, sanando a demanda reprimida de dois séculos. Faz sentido. É necessário. Não se discute. Mas há de se considerar que não se formam naipes de estudiosos apenas com programas de democratização do ensino. Essa tarefa exige muita lenha.

É célebre o espanto do "papa das políticas culturais", o britânico Chris Smith, anos atrás, ao saber que as escolas brasileiras se ocupam pouco de garimpar novos talentos em suas fileiras. No seu entender, deveria ser tão natural quanto ensinar contas de mais. Em Cuba – informa o polonês Martin Carnoy, radicado nos EUA e pesquisador de renome mundial – assim o é: a busca por talentos na arte e na pesquisa impera de tal forma que sobrevive à falência do modelo imposto por Fidel Castro. Se Cuba consegue, ora, é hora de acordar.

Há pouco mais de um mês, a presidente Dilma Rousseff deu sinal de reação: ela prometeu 75 mil bolsas de estudos para brasileiros no exterior. A notícia teve recepção tímida, ainda que merecesse manchete. O país do Bolsa Família tem sim de custear mais pesquisadores e abraçar em dó a formação de uma elite intelectual, acrescentando à imagem da nação algo que não desmanche no ar, como o futebol, o carnaval e a plástica de nossas mulheres.

Tão importante quanto sanear essa dívida do país – e queiram os deuses que Dilma perceba – é criar uma cultura filantrópica, cobrando das "elites", aquelas, compromisso com as "elites", essas. É o mínimo a essa altura da história.

Em tempo, o governo informa que, além das 75 mil bolsas que vai dar, pretende garimpar outras 25 mil junto ao empresariado. Tomara. E tomara que vire uma política de Estado. Já são horas.

No mais, é torcer para que as "elites" sejam citadas não só por seus iates, mas por suas contribuições ao conhecimento. E que os homens e mulheres do conhecimento sejam tão cultuados quanto os belos, ricos e famosos. Sonhar não custa nada – ou quase nada, como Dilma tem tentado mostrar à turma do capital. Que eles abracem essa chance de enriquecer ainda mais.

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