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A denúncia do materialismo e a ênfase no combate à pobreza são características do novo pontífice que merecem apoio de católicos e não católicos

A eleição do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, para suceder Bento XVI como líder máximo da Igreja Católica pegou a maioria dos católicos e jornalistas de surpresa. Bergoglio não estava nas listas de papabili, como são chamados os cardeais apontados como favoritos no conclave, até mesmo por sua idade: com 76 anos, estava além da faixa que vinha sendo mencionada como desejável para o novo pontífice para que pudesse ter um reinado mais longo, após os quase oito anos de Joseph Ratzinger. A eleição de ontem marcou uma série de ineditismos: o primeiro papa latino-americano, o primeiro jesuíta eleito pontífice, o primeiro a adotar o nome Francisco.

Logo após a eleição, a imprensa lançou uma série de dúvidas sobre o possível envolvimento de Bergoglio com a violenta repressão durante a ditadura militar argentina na década de 70. Quando ainda era provincial jesuíta, ele teria colaborado com o sequestro de dois sacerdotes de esquerda, em 1976. No entanto, segundo uma biografia do cardeal, escrita em 2010, ele teria apelado pessoalmente ao ditador Jorge Videla pela libertação dos padres. É importante que se esclareça o quanto antes o episódio, e certamente este deve ser o interesse do próprio papa, cujo pontificado poderia, assim, transcorrer sem distrações causadas por ecos do passado.

Na terça-feira, neste mesmo espaço, dissemos que "têm mais possibilidade de ver suas expectativas cumpridas aqueles que esperarem um pontífice que use a influência da Igreja a favor das grandes causas da humanidade, como a defesa da democracia, o combate à pobreza e a promoção da paz". A julgar pela atuação de Bergoglio como arcebispo de Buenos Aires, é bem possível que pelo menos uma dessas plataformas seja abraçada com entusiasmo pelo novo pontífice. A Gazeta do Povo de ontem trouxe exemplos de sua pregação enfática contra a pobreza e a desigualdade social, como a ocasião em que o cardeal disse que em Buenos Aires "se cuida melhor de um cachorro do que de um irmão".

Se Bento XVI elegeu como uma de suas prioridade o combate ao que via como um mal do mundo moderno, o relativismo – a noção de que não existem verdades absolutas, e que tem suas consequências no tecido social, na visão do agora papa emérito –, Francisco parece mais voltado à denúncia de outro grave problema da sociedade, o materialismo. Assim como João Paulo II viveu o horror do totalitarismo socialista, o que lhe deu a experiência necessária para saber como combatê-lo a partir do Vaticano, Francisco liderou os católicos de Buenos Aires durante tempos de enormes dificuldades econômicas, mostrando-se solidário com eles também pelo seu exemplo de cardeal que usava o transporte público e fazia suas próprias refeições.

Como pontífice, Francisco provavelmente não terá como dar semelhantes demonstrações de simplicidade (embora já tenha dispensado o carro e retornado à Casa de Santa Marta no mesmo ônibus dos cardeais, após sua eleição), mas sua posição lhe confere autoridade para pregar contra a pobreza, a desigualdade e quaisquer modelos econômicos que ignorem a dignidade humana, seguindo a Doutrina Social da Igreja. Uma plataforma que merece apoio de católicos e não católicos.

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