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A nova presidente do Brasil nem de perto tem o carisma de Lula. E ela sabe disso. Assume o lugar de um presidente que terminou o mandato com 80% de aprovação, apenas um sonho para a maioria dos governantes. Não será uma tarefa fácil para Dilma Rousseff.

Por ter ciência de que Lula é um líder nato, ela, apesar de ser a escolhida e eleita graças ao apoio dele, não tenta imitar seu estilo. Isso foi claramente visto durante a cerimônia de posse no Palácio do Planalto. Chegou de carro aberto, cumprimentando os populares de longe, abraçou por diversas vezes Lula, mas coube a ele, mais uma vez, quebrar o protocolo e, na saída, atravessar a rua e encostar no povo.

A primeira crise no governo pode começar quando, após cerca de cem dias da posse, saírem as primeiras pesquisas de avaliação da gestão. Dificilmente ela atingirá os índices conquistados por Lula, mas, para garantir força ao governo, terá de manter um bom patamar de aceitação. Além disso, terá de conseguir uma boa articulação política no Congresso Nacional, caso contrário não terá a tão necessária governabilidade.

Dilma ousou ao colocar uma boa parte das pastas ministeriais na mão de petistas. Talvez não consiga manter esse poder durante muito tempo. Será no início dos trabalhos do Congresso que aparecerão as mágoas de aliados.

Durante as últimas semanas e no sábado à noite, ao ser recebido pelos companheiros de São Bernardo do Campo (SP), Lula pediu que fossem bonzinhos com Dilma: a população, a imprensa e os aliados. De acordo com Lula, Dilma sofrerá preconceito assim como ele sofreu e enfrentará adversários. Deu a entender que tais inimigos cruéis são a imprensa e os partidos de oposição, mas quem acompanha de perto os bastidores do poder sabe que os adversários estão mais perto do que se possa imaginar. Para manter o governo de coalizão, os aliados sabem cobrar o retorno dos apoios na hora certa. PMDB e PSB não conseguiram todos os cargos que queriam no governo federal. Mas pode chegar a hora, no momento de votações importantes, de negociar mudanças no governo. Essas negociações, sim, costumam ser cruéis, e Dilma e sua equipe precisarão mostrar seus princípios nesses momentos.

Se a nova presidente tem seu estilo próprio, isso não quer dizer que suas particularidades não terão uma mãozinha de marqueteiros, como tem sido desde quando foi decidido que ela seria a candidata do PT ao maior cargo do país. Durante toda a cerimônia de posse, Dilma e sua equipe pensaram em alguns detalhes que talvez mostrem mais do que estilo próprio, autêntico. Para substituir o metalúrgico, com pouco estudo formal, que com sua história ímpar chegou à Presidência da República, vem uma mulher, a primeira a ocupar a Presidência do Brasil. Um feito marcante e que deve ser realmente ressaltado por mostrar o amadurecimento da democracia brasileira, mas é preciso tomar cuidado para que o fato da questão feminina não vire mais uma peça publicitária.

A segurança de Dilma durante o trajeto de carro foi feita por mulheres. Foram mulheres também as cantoras escolhidas para a festa popular que seguiu à noite na Praça dos Três Poderes. Durante o discurso, Dilma se referiu às mulheres por diversas vezes, abrindo sua fala no parlatório do Planalto com a saudação "Queridas brasileiras, queridos brasileiros", com elas em primeiro lugar. Usou a metáfora da mãe e do pai: "O meu sonho é o mesmo sonho de qualquer cidadão ou cidadã: o sonho de que uma mãe e um pai possam oferecer aos seus filhos oportunidades melhores do que a que eles tiveram em suas vidas". Pareceu uma série de medidas estudadas por marqueteiros. João Santana, assessor de marketing da campanha, inclusive ajudou a montar o discurso da presidente.

Dilma deve mostrar a que veio e quem é. Não conseguirá, nem com a ajuda de bons marqueteiros, conquistar o povo com jogos de palavras e referências artificiais. Para ganhar o coração e a confiança dos brasileiros, terá de conseguir ir além do governo Lula.

Se no mandato anterior a política econômica deu resultados e os programas sociais ajudaram na melhoria das condições de vida da população mais pobre, agora será a vez de avançar. De dar melhores condições de educação, saúde e segurança à população, para que programas assistencialistas não sejam mais necessários. Dando assim aos menos favorecidos condições não só de uma vida digna, mas de plena cidadania.

Agora, na posição de presidente da Nação, Dilma terá sua derradeira chance de colocar o discurso em prática e finalmente concretizar todas as obras prometidas por ela e pelo ex-presidente Lula no início de seu segundo mandato, em 2007, quando lançaram o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O PAC 2 já foi anunciado, mas as obras do primeiro não foram nem sequer concluídas.

Também terá de lutar para conseguir fazer as reformas tão esperadas nos oitos anos de Lula e que não foram efetivadas – Política, Previdenciária, Trabalhista e Tributária. Terá de imprimir seu selo, sem os exageros verbais de Lula e com mais seriedade no trato diplomático. E terá a tarefa mais difícil de todas: saber governar longe da sombra de Lula. Ele dificilmente conseguirá ficar sentado tranquilamente no sofá de sua sala, em São Bernardo do Campo. Já avisou que continuará prestando assessoria à presidente.

Que Dilma mostre que tem vida própria e marque seu próprio governo. Que não sirva como um mandato tampão para a volta de Lula em 2014, pois um governo deve ir além de um governante. Deve seguir em frente, rumo ao desenvolvimento, com ações que gerem confiança ao seu povo.

Um governo que, acima de tudo, honre suas promessas e cumpra as expectativas de seu povo. Que não esconda práticas de corrupção, que não proteja aliados que cometerem práticas ilícitas, que seja transparente, forte e efetivo.

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