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Quando ocorrem episódios como os que envolvem a Petrobras, o governo brasileiro não hesita em deixar o "patrimônio do povo" em segundo plano para fazer média com aliados ideológicos

O governo brasileiro, felizmente, não se deixou levar pela onda estatizante iniciada pelo venezuelano Hugo Chávez, que já passou pelo Equador, Argentina e volta à Bolívia. Porém não somente não criticou as estatizações promovidas recentemente por seus "vizinhos" como toma atitudes de apoio aos governantes latinos que seguem nessa tendência.

Duas semanas depois do anúncio do governo argentino de expropriação da empresa de petróleo YPF, subsidiária da espanhola Repsol, foi a vez de Evo Morales voltar a estatizar empresas estrangeiras em território boliviano. Desta vez foi a TDE, empresa elétrica controlada pela Red Eléctrica Española, com anúncio feito durante as comemorações no 1.º de maio. Em anos anteriores agiu da mesma forma com gás e geradoras de energia elétrica, atingindo inclusive a Petrobras.

Além de não reagir com firmeza diante do autoritarismo dos colegas latino-americanos, a Petrobras ainda anunciou investimentos na Argentina, logo após a decisão polêmica de Cristina Kirchner. Sobre a Bolívia, o governo brasileiro não se pronunciou até agora. A reação brasileira é de uma passividade incômoda.

No dia seguinte ao anúncio da estatização argentina, o ministro brasileiro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse que a atitude argentina é "uma questão de soberania". Mesmo diante da possibilidade de que a Petrobras também seja afetada pela nova lei de hidrocarbonetos proposta pela presidente Cristina Kirchner, Lobão minimizou a possibilidade de a petrolífera brasileira perder ativos na Argentina e não quis criticar a expropriação. A própria presidente Dilma Rousseff se negou a comentar a expropriação, dizendo que "não faz juízos de valor".

O governo não deveria ter motivos para tamanha tranquilidade. No começo de abril, a estatal brasileira teve cancelada uma concessão (que, agora, o governo Kirchner tenta devolver) na província argentina de Neuquén. Em 2007, a Petrobras sofreu a estatização de duas refinarias na Bolívia, pelas quais havia pago US$ 104 milhões em 1999 e nas quais tinha investido mais US$ 30 milhões. O governo brasileiro aceitou uma indenização de US$ 112 milhões paga pelo governo de Evo Morales, após diplomatas brasileiros terem pedido um valor muito maior. E, em 2008, pressionada pelo governo equatoriano, a estatal concordou em desistir dos ganhos pela produção de petróleo no país, recebendo apenas pela prestação de serviços.

O discurso tradicional da esquerda costuma descrever empresas estatais como patrimônio "do povo brasileiro", como se elas realmente pertencessem a todos, e não ao Estado. No entanto, quando ocorrem episódios como os que envolvem a Petrobras, o governo brasileiro não hesita em deixar o "patrimônio do povo" em segundo plano para fazer média com aliados ideológicos, em vez de defender os interesses das empresas nacionais.

Na revisão das tarifas pagas pelo Brasil ao Paraguai, pela energia produzida em Itaipu e que não é consumida pelo vizinho, o presidente Fernando Lugo pressionou e conseguiu triplicar a taxa de cessão que o Brasil paga aos paraguaios pela energia excedente gerada pela hidrelétrica, com os custos desse reajuste cobertos pelo Tesouro Nacional brasileiro.

O que se vê é a facilidade com que o governo brasileiro abre mão do patrimônio estatal para agradar a parceiros de esquerda. Essa não é a atitude esperada de quem recebeu os votos de milhões de brasileiros para, entre outras tarefas, defender o interesse nacional. E, diante das atitudes arbitrárias promovidas por venezuelanos, bolivianos e argentinos em relação a empresas estrangeiras, o silêncio brasileiro corre o risco de ser encarado não como neutralidade, mas como cumplicidade.

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