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Petrobras
Defasagem do preço da gasolina com o mercado internacional chega a 21%, enquanto que a do diesel está em 18%, dizem importadores.| Foto: Bigstock

Dias antes de a Petrobras abandonar formalmente o Preço de Paridade de Importação (PPI) como política oficial de preços, o presidente da estatal, Jean Paul Prates, prometeu: “Não vamos nos desgarrar do preço internacional como uma Venezuela e vender o diesel ao preço que quiser. Quando subir lá fora, terá de subir aqui dentro. Quando descer lá fora, vai ter de descer aqui”. O comunicado em que anunciava a nova política, no entanto, era bem mais vago, falando apenas em “melhor alternativa acessível aos clientes”, “custo de oportunidade dadas as diversas alternativas para a companhia” e em seguir “as referências de mercado (...) sem abdicar das vantagens competitivas de ser uma empresa com grande capacidade de produção e estrutura de escoamento e transporte em todo o país”, deixando implícito que, no fim das contas, a Petrobras praticaria os preços que bem entendesse. O país não precisou nem de dois meses para comprovar o que já se podia intuir: entre as promessas de Prates e o voluntarismo subentendido na nova política, este último haveria de prevalecer.

No fim de julho, a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicam) divulgou dados mostrando que a Petrobras já começou a represar artificialmente seus preços, resultando em uma defasagem de 21% para a gasolina e 18% para o óleo diesel, em comparação com os valores praticados internacionalmente. O barril de petróleo está em trajetória de alta, enquanto a Petrobras anunciou seguidas reduções nos preços dos combustíveis desde que abandonou a PPI. Em outras palavras, a Petrobras está subsidiando a gasolina e o diesel, e arcando com os custos de uma operação que inevitavelmente traz prejuízo, já que a importação tanto de petróleo quanto de seus derivados é necessária para suprir a demanda nacional.

Há uma boa dose de similaridade entre os represamentos de preços de 2014 e 2023, pois o objetivo é manter a inflação aparentemente controlada. No caso de Dilma, para conseguir a reeleição; no caso de Lula, como arma em sua cruzada pessoal contra o Banco Central

O Brasil já viu essa história, e sabe como ela termina. Durante o governo Dilma Rousseff, a Petrobras, então comandada por Graça Foster, praticou esse mesmo tipo de congelamento artificial de preços, especialmente em 2014, já que reajustar combustíveis em um cenário de inflação já pressionada seria fatal para as pretensões de reeleição de Dilma. Há uma boa dose de similaridade entre 2014 e 2023: Lula não tem eleições para disputar agora, mas precisa de uma inflação aparentemente controlada para seguir em sua cruzada pessoal contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Dado o grande peso dos combustíveis no cálculo do IPCA, controlar seus preços manteria a inflação em níveis menores, dando mais argumentos ao presidente para pressionar por uma queda nos juros.

O estratagema, no entanto, pode muito bem se tornar um buraco sem fundo: a Selic acabou de cair meio ponto porcentual, mas, se a Petrobras reajustar seus preços para anular a defasagem, a inflação voltaria a subir com força e o Copom teria de interromper ou mesmo reverter o ciclo recém-iniciado de queda nos juros. A única forma de a Petrobras escapar dessa armadilha sem impor a Lula um ônus político seria torcer por uma queda nos preços internacionais do petróleo, o que no momento não parece factível. A estatal se torna, assim, uma refém do represamento de preços para evitar que Lula saia desgastado.

Por enquanto, a Petrobras tem um colchão para absorver os custos dessa operação: apesar de o lucro da estatal ter caído neste segundo trimestre, ainda está na casa das dezenas de bilhões de reais. No entanto, não foi preciso muito tempo para que a Petrobras entrasse no vermelho na época da dupla Dilma-Graça: de um lucro de R$ 23,6 bilhões em 2013, a estatal passou para um rombo de R$ 21,6 bilhões no ano seguinte, piorando ainda mais seu resultado em 2015, com prejuízo de R$ 34,8 bilhões. As perdas devidas à política populista de preços superaram os R$ 100 bilhões, mais que o dobro do total pilhado no petrolão pelo PT, em conluio com partidos aliados e empreiteiras. A Petrobras tornou-se, à época, a petroleira mais endividada do mundo.

E não é apenas a Petrobras que perde com o intervencionismo populista nos preços. Sendo a gigante que é, ela consegue suportar por mais tempo (embora não permanentemente) os custos de uma operação deficitária, mas não se pode dizer o mesmo dos players privados, que pagam o preço internacional, mas precisam revender seus produtos a preços parecidos com os da estatal para não ficarem sem compradores. É um modelo insustentável e que pode tirar do jogo o setor privado, elevando o risco de desabastecimento, à imitação do que ocorreu na Argentina, quando a estatal YPF quebrou a concorrência e, com isso, levou o país à falta de óleo diesel. Outros potenciais perdedores são os produtores de etanol, que fica artificialmente menos competitivo.

A resposta da Petrobras ao estudo da Abicam pode ser resumida em um simplório “vamos ver”. O assunto, ao menos oficialmente, não foi tema da recente reunião entre Lula, Prates e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira – os dois últimos, que são de grupos políticos diferentes (Prates é petista, enquanto Silveira é do PSD), andam se desentendendo. A Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados acabou de aprovar um requerimento convidando Silveira para explicar a política de preços da Petrobras. O ministro pode recusar o convite, mas, se aceitá-lo, deve saber que não adiantará simplesmente repetir o “quando subir lá fora, terá de subir aqui dentro” de Prates.

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