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O ex-presidente Lula, quando se preparava para deixar o Palácio do Planalto, alardeou aos quatro cantos que sua preocupação era "desencarnar" do cargo e voltar a ser apenas um cidadão comum. Falou mas não cumpriu, tornando-se nesses últimos meses um ativo interlocutor indireto do governo, até mesmo extrapolando a sua condição de ex. A mais recente intervenção indevida envolve a periclitante situação do ministro Orlando Silva, do Esporte, seriamente enrolado junto com o seu partido, o PCdoB, em denúncias de corrupção.

Passando por cima até mesmo da presidente Dilma Rousseff, que pretende ver o caso inteiramente esclarecido, Lula no último sábado coordenou uma forte articulação de bastidores com a finalidade de segurar Silva no ministério. Resistir às pressões e não entregar a pasta foi a recomendação que deu ao ministro e aos caciques do PCdoB, o que parece acabou prevalecendo, pelo menos por ora. A intervenção de Lula, lamentavelmente, mostra que Dilma ainda está às voltas com a sombra de seu antecessor, que pelo prestígio político amealhado se acha no direito de palpitar aqui e acolá, ainda que isso acarrete desconforto e saia- justa para o seu governo.

Não satisfeito com a intromissão, Lula afirmou ainda que o político tem de ter "casco duro" e não tremer a cada vez que alguém disser alguma coisa errada dele. Pela lógica lulista, as denúncias de corrupção que foram comuns ao longo de seus 8 anos de governo e que também ocorrem com Dilma, não têm maior relevância; ou, trocado em miúdos, o que interessa mesmo é preservar a companheirada, coisa que Lula fez muito bem ao longo de seus dois mandatos. Resistir e não renunciar com facilidade é o ensinamento que prega, para quem as denúncias de corrupção não assustam, considerando-as como manobras da direita, que na falta de outro assunto requenta o tema.

Se não assustam Lula, parecem incomodar Dilma, que em dez meses de governo já se viu obrigada a defenestrar cinco ministros, quatro deles por malfeitorias – Antonio Palocci (Casa Civil), Alfredo Nascimento (Transportes); Wagner Rossi (Agricultura); e Pedro Novais (Turismo). A exceção é Nelson Jobim (Defesa), que saiu por incompatibilidade no trabalho. Detalhe importante a ser realçado: todos os ministros que já deixaram os cargos, inclusive Orlando Silva, que balança, foram indicações de Lula e trabalharam com ele quando presidente.

Ainda que a sombra de Lula paire sobre o Planalto, Dilma não pode compartilhar da política "casco duro" apregoada por Lula, sob pena de se enredar na politicagem rasteira que dominou o cenário de Brasília nos 8 anos de lulismo. Continuar cobrando comportamento ético de seus assessores e punindo aqueles que se desviam desse primado é o que se espera da presidente. A verdade é que Dilma já perdeu tempo demais com maus ministros herdados do antecessor ou avalizados por critérios derivados de acordos meramente partidários. Ainda que Lula tenha recomendado ao ministro Orlando Silva resistir no cargo, a palavra final sempre vai caber à presidente, que precisa agir com independência na condução do imbróglio, goste ou não goste o ex-presidente, que pelas ações e declarações tem mostrado que não está nenhum pouco disposto a "desencarnar" das funções que exercia ao tempo de presidente.

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