• Carregando...

Está escrito na Constituição Federal que a administração pública deve se reger por cinco grandes princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Mas não é necessário conhecer a Constituição para que percebamos desde logo que se trata de premissas referenciais do senso comum – aquele que o cidadão ao mesmo tempo contribuinte e dependente do serviço público (e todos o somos), ainda que intuitivamente, entende como essenciais na relação com o Estado e com seus representantes.

A nova série de reportagens aberta ontem pela Gazeta do Povo/RPCTV, denominada apropriadamente de "Negócio Fechado", escancara de vez o pisoteamento de cada um desses princípios no âmbito da Câmara Municipal de Curitiba nos anos recentes, de modo especial no longo período da presidência do vereador João Cláudio Derosso. Pequena parte dos documentos que embasam as investigações procedidas pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas, à qual nossos repórteres tiveram acesso, já é mais que suficiente para comprovar o desrespeito sistemático às normas mais comezinhas que imperou na gestão da Casa.

Exemplos de agressão a cada um dos princípios da boa e correta administração pública afloraram com facilidade no simples exame parcial de notas fiscais referentes aos gastos com publicidade na Câmara, que somaram desde 2006 cerca de R$ 35 milhões. Como se já não bastasse saber que boa parte desses recursos transitava pela agência de propriedade da esposa do então presidente, também funcionária do Legislativo à época em que os contratos foram firmados, surgem agora mais evidências para configurar que de legal, impessoal, moral ou eficiente pouco se fazia na Câmara.

Notas frias, fraudes em licitações, pagamentos por serviços não prestados, participação de servidores da Câmara nesses negócios irregulares, feitos em segredo e sem proveito ou utilidade para a população são algumas das irregularidades anotadas e comprovadas ao se compulsar documentos e de ir às fontes que os produziram. Os rastros deixados pela metódica operação de malversar recursos tão volumosos podem conduzir a outras revelações graves, como a de que o proveito – econômico ou político, não importa – que se tirava não se circunscrevia à presidência da Casa, mas beneficiava também outros vereadores.

É essa suspeita, que a cada dia se revela com contornos mais nítidos, que pode explicar a má vontade que a maioria dos vereadores demonstrou ao longo das "investigações" internas procedidas logo após a eclosão das primeiras denúncias no ano passado. A pressão popular e o oportunismo do político acabaram por levar o então presidente a renunciar ao cargo, dando à opinião pública a impressão de que o culpado fora punido.

Não. Aquele gesto de renúncia nem de longe é suficiente para que a Câmara seja absolvida. Há mais, muito mais a se investigar, a se esclarecer e a se legalmente responsabilizar tantos quantos, direta ou indiretamente, tiveram participação nos desvios de conduta e de desrespeito aos princípios com os quais, sob juramento, estavam comprometidos.

Espera-se agora, sobretudo dos próprios vereadores, que cumpram a sua parte. É o mínimo que devem fazer em respeito ao mandato popular que lhes foi conferido.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]