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O escândalo das verbas publicitárias na Câmara de Curitiba, agora confirmado por relatório do Tribunal de Contas, evidencia a confusão entre a publicidade, princípio previsto na Constituição, e a autopromoção ilícita

O artigo 37 da Constituição Federal fixa cinco rígidos princípios que devem guiar a administração pública. Além da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, seus atos devem também obedecer ao princípio da publicidade – isto é, precisam ser publicamente conhecidos pela sociedade. Tal princípio, aliás, além de constituir-se num dever a ser cumprido pelo Estado, converte-se também em um inquestionável direito do cidadão – uma das bases jurídicas que fundamentam a recente Lei do Acesso à Informação.

Logo, é natural e indispensável que, além da obrigatória publicação em órgãos oficiais, de restrita circulação, é lícito e necessário que o administrador público difunda seus atos também por outros meios de mais largo e fácil acesso pela população. Há de se distinguir desde logo, porém, a publicidade, uma exigência constitucional, da propaganda, destinada a promover a imagem dos governos, no mais das vezes interessados nos resultados da próxima eleição – o que costuma agredir outro daqueles cinco princípios inscritos na Carta Magna, o da impessoalidade.

É sob tal ótica (dentre muitas outras, claro) que se deve examinar o escândalo da "publicidade" da Câmara de Vereadores de Curitiba, denunciado pela primeira vez por este jornal há dois anos e agora confirmado por um alentado e minucioso relatório técnico do Tribunal de Contas do Estado. Na verdade, confirma o relatório, o exorbitante gasto de R$ 35 milhões entre 2006 e 2010 não se destinava, na maior parte, a cobrir custos legais com publicidade, mas com propaganda pessoal do então ordenador da despesa, o ex-presidente João Cláudio Derosso, e de todos os vereadores que, direta ou indiretamente, beneficiavam-se da fartura de verbas para autopromoção ou para favorecer agências e servidores de seus respectivos gabinetes.

Mas há também outros aspectos que não podem escapar à indignação que todos sofremos, dados os fortes indícios levantados pelo TC sobre a existência de fraudes grotescas praticadas com o único fim de desviar dinheiro público. É o caso da impressão gráfica do jornal Câmara em Ação: se tivessem sido realmente impressos todos os milhões de exemplares alegados pelos antigos gestores, teriam faltado nada menos de 406 toneladas de papel! Notas frias ou inexistentes demonstram que, só neste caso, teriam misteriosamente "desaparecido" cerca de R$ 6 milhões – parte pequena comparada ao total de R$ 29 milhões que o relatório do Tribunal de Contas recomenda que sejam devolvidos aos cofres públicos.

Estamos diante, portanto, de um caso de descumprimento de preceitos constitucionais em razão da abusada e proposital confusão entre publicidade e propaganda e também diante de delitos previstos em farta legislação infraconstitucional, como a Lei da Probidade Administrativa e o Código Penal. O país dispõe de instituições que podem pôr cobro ao escândalo protagonizado na Câmara de Vereadores e de punir os responsáveis. É o que todos esperamos.

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