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 | Daniel Caron/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Caron/Arquivo Gazeta do Povo

No primeiro embate entre abertura econômica e protecionismo dentro do governo de Jair Bolsonaro, venceu o protecionismo. Mau sinal para quem tem visto o discurso de abertura na boca do presidente, do ministro Paulo Guedes e do chanceler Ernesto Araújo, mas uma derrota que só pode ser minimizada se considerarmos que a concessão foi feita tendo em mente outras batalhas, muito maiores, que o governo precisará travar e nas quais precisará de todo o apoio possível.

Até o início de fevereiro, o Brasil cobrava, além da tarifa de importação comum, uma sobretaxa de 14,8% do leite em pó europeu, e 3,8% sobre o mesmo produto importado da Nova Zelândia. Essa cobrança adicional era uma “taxa antidumping”, que teria o objetivo de combater a prática em que um produtor ou fornecedor vende seu produto a preços menores que os custos, com o objetivo de quebrar a concorrência. A taxa vinha sendo cobrada havia 18 anos, mas um estudo recente da Secretaria de Comércio Exterior mostrou que nem a União Europeia, nem os neozelandeses estavam praticando preços desleais para entrar no mercado brasileiro – o custo de importação, no fim das contas, era tão alto que o Brasil quase não comprava leite em pó desses fornecedores. Como resultado, o governo resolveu cortar a taxa, mantendo apenas a tarifa de 28%.

Os consumidores do Brasil só serão os grandes vencedores quando tiverem produtos mais baratos nas prateleiras

A bancada ruralista reclamou com força suficiente para forçar um recuo do governo. Como a taxa antidumping não foi restaurada, até porque não faria sentido algum, dada a constatação da inexistência da prática, a solução foi aumentar a tarifa de importação do leite em pó europeu para 42,8% – o leite em pó da Nova Zelândia não foi afetado. Em resumo, na prática o governo voltou à situação anterior.

A controvérsia do leite serve para lembrarmos que no setor agrícola não há santos. Os europeus subsidiam pesadamente a sua produção agropecuária, a ponto de ser muito difícil saber qual o impacto das ajudas governamentais na composição dos preços dos produtos europeus, como afirmou à Gazeta do Povo o zootecnista Guilherme Souza Dias, da Federação da Agricultura do Paraná (Faep). Mas também o Brasil conta com uma série de incentivos e subsídios para o produtor rural, ainda que em escala menor que a ajuda oferecida pelos países europeus. Não à toa a agropecuária é o tema mais delicado em qualquer negociação comercial bilateral ou multilateral que envolva a União Europeia – e mais ainda se do outro lado da mesa houver outras potências agrícolas, como os Estados Unidos e o Mercosul.

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Bolsonaro usou o Twitter para anunciar o aumento da tarifa: “Comunico aos produtores de leite que o governo, tendo à frente a ministra da Agricultura Tereza Cristina, manteve o nível de competitividade do produto com outros países. Todos ganharam, em especial, os consumidores do Brasil”. Difícil explicar como “os consumidores do Brasil” seriam os principais ganhadores quando o leite em pó fica mais caro ou se mantém nos preços atuais. Os grandes vencedores são os produtores nacionais, que mais uma vez não serão obrigados a aumentar sua competitividade – justiça seja feita, tarefa essa que é prejudicada pelo próprio governo com tributações excessivas, inclusive sobre o maquinário que traria melhorias tecnológicas suficientes para permitir maior produção a custo mais baixo.

Os consumidores do Brasil só serão os grandes vencedores quando tiverem produtos mais baratos nas prateleiras. Isso significa baratear o produto estrangeiro e aumentar a competitividade do concorrente nacional, em vez de buscar uma igualdade de condições por meio de tarifas pesadas sobre as importações. Tarifas e subsídios criam distorções que nunca beneficiam o consumidor, mas eliminá-las, especialmente no caso do agronegócio, não será nada fácil. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, já disse que “o desmame não pode ser radical” e até falou de um “desmame controlado”, embora seja mais provável que o setor, no fundo, não queira desmame algum.

Mas, como lembrou o colunista Guido Orgis, esta é uma derrota que Paulo Guedes pode aceitar se ela resultar em um apoio da bancada ruralista à reforma da Previdência. Não só pelos votos, mas também pela proposta em si, que terá de resolver o problema da aposentadoria rural – mesmo pagando benefícios baixos, ela arrecada muito pouco, terminando 2018 com um rombo de R$ 113,8 bilhões. Reformar a Previdência é prioridade. Mas a questão das tarifas e subsídios terá de voltar à mesa mais cedo ou mais tarde.

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