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O Brasil se prepara para que, mais uma vez, todos os brasileiros com mais de 18 anos possam escolher livremente seu próximo presidente da República, prática que se repete ininterruptamente desde 1989. Enquanto isso, do outro lado do mundo, milhões de habitantes de Hong Kong tomam as ruas da antiga colônia britânica, devolvida à China em 1997, para ter o direito a uma democracia plena. Até 2012, o chefe do governo da região era escolhido por um colégio eleitoral de 1,2 mil pessoas, apontadas dentre representantes de setores econômicos ou sociais, como indústria, comércio, esportes e saúde. Uma reforma eleitoral propôs que, a partir de 2017, o chefe de governo local seja escolhido por sufrágio universal.

Seria um avanço, se não fosse pelo fato de que só poderão concorrer candidatos que tiverem o selo de aprovação do Partido Comunista, em Pequim, e o aval de metade dos membros de um comitê de nomeação idêntico ao antigo colégio eleitoral. Ou seja, por mais que todos os habitantes de Hong Kong agora possam votar, a eleição não deixa de ser uma ficção, pois falta a liberdade na outra ponta do processo, a dos candidatos. Assim que as regras foram definidas, em 31 de agosto, estudantes e outros ativistas pró-democracia se organizaram. Em 26 e 27 de setembro, começaram as ocupações de praças públicas; a resposta da polícia tem sido, basicamente, alguma violência, o uso de gás lacrimogêneo e a remoção de barracas; algumas gangues, ligadas ao crime organizado, agrediram manifestantes, já que as ocupações estavam "atrapalhando os negócios".

Nada disso diminuiu o ímpeto dos manifestantes, que exigem também a renúncia do atual chefe do Executivo, Leung Chun-ying. Ele diz que sua saída não resolveria nada, e o governo chinês deixou claro que não abre mão das regras eleitorais definidas anteriormente. Mesmo assim, na terça-feira houve uma primeira rodada de diálogo entre representantes dos estudantes e do governo de Hong Kong, mas sem avanços.

A "revolta dos guarda-chuvas" – uma alusão ao instrumento que começou sendo usado para defender os estudantes das bombas de gás lacrimogêneo e virou um símbolo dos protestos – evoca outro episódio, que completou 25 anos em junho: naquela ocasião, centenas de chineses foram mortos no massacre da Praça da Paz Celestial, encerrando meses de mobilização popular por aberturas democráticas na China. As barricadas dos estudantes de Hong Kong servem de alerta para um governo que tem pouquíssimo apreço pela democracia.

Mais cedo ou mais tarde, também na China a demanda por mais liberdades crescerá. À medida que seus cidadãos progridem economicamente, eles passam a voltar seu olhar para aquilo que ainda lhes falta na comparação com o mundo ocidental que cada vez mais chineses conhecem por meio do turismo, do intercâmbio estudantil e da presença em universidades. Pequim poderia ter usado Hong Kong como um teste para reformas democratizantes, mas em vez disso preferiu aplicar na ex-colônia um modelo muito parecido com o do resto do país, com os cidadãos até podendo votar, mas apenas naqueles candidatos aprovados pelo governo. A chance foi desperdiçada e o governo (que nem pensa em ceder aos estudantes por medo de que o movimento inspire separatistas de outras regiões), se vê com poucas alternativas a considerar. Que a violência de 1989 não esteja entre elas.

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