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A cada novo episódio de violência envolvendo menores, apedreja-se o Estatuto da Criança e do Adolescente como se ele fosse o grande culpado por uma chaga nacional. A verdade é que, transcorridos em julho os 17 anos de criação do ECA, as medidas estabelecidas pela lei ainda não foram completamente efetivadas e, mais grave, parece que estamos distante disso. Uma pesquisa da Universidade da Amazônia mostra que a má implantação do Estatuto faz com que adolescentes envolvidos em pequenos atos infracionais não cumpram medidas socioeducativas. Como a lei ainda não saiu do papel, a ação do Estado costuma acontecer apenas quando há um agravamento dos delitos. O trabalho refere-se ao estado do Pará, mas não deixa de ser um retrato do que ocorre no resto do país, com menor, igual ou maior intensidade.

Para a coordenadora do trabalho, a professora Lúcia Garcia, a falta da estrutura gera impunidade. "Se um juiz sentencia uma medida de meio aberto para um adolescente, mas a prefeitura não foi capacitada, não tem programa, o menino não é inserido em nenhum programa. O que acontece: não dá em nada", sublinha.

E os conselhos tutelares e conselhos municipais de Direitos da Criança e do Adolescentes ainda não foram universalizados. Tanto lá como aqui, nem todos municípios têm delegacias e policiais capacitados para tratar com os infratores. Do mesmo modo, falta pessoal nos juizados, defensorias públicas e no próprio Ministério Público. Tal carência, acrescenta a professora, é agravada pela rotatividade e não-permanência de juízes, defensores, promotores e delegados em regiões do interior. A pesquisa mostra o que já se sabe: os jovens em conflito com a lei têm baixa escolaridade, estão atrasados no fluxo escolar – defasagem idade/série – e a maioria dos atos infracionais ocorreu no momento em que eles não estavam freqüentando a escola. Na escala de atos infracionais aparecem, pela ordem, o roubo, o furto e o homicídio.

A propósito, na recente cerimônia de lançamento do Programa Social Criança e Adolescente, o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Paulo Vannuchi, afirmou que a sociedade não pode eleger "o menor infrator como bode expiatório". Disse também que o Brasil não pode permitir que "seja eleito hoje o inimigo público número 1 o jovem que só entrou em conflito com a lei porque faltou a ele o apoio familiar, social, do Estado, que o Estatuto da Criança e do Adolescente exige". O governo diz pretender "virar a página do velho modelo da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), que está longe de ser superado", mas não se pode ignorar que, para tamanha façanha, apenas investimento desregrado não resolve. Há necessidade de reformulação de toda uma mentalidade. Pode parecer missão impossível, mas isso não pode servir, de modo algum, de espantalho para iniciativas de longo prazo e que exigem determinação. É preciso ter em mente que a implantação do ECA veio não como escudo para a impunidade, mas como um primeiro passo, reconhecendo-se, finalmente e de modo oficial, um gravíssimo problema, o do menor infrator. Os próximos passos trilham, necessariamente, o caminho aberto pelo Estatuto. E sua plena aplicação.

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