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O presidente Lula deveria ter recebido on­­tem, pessoalmente, o título de "Estadista Global" que lhe foi concedido pelo Fórum Econômico Mundial que se reúne em Davos, nos Alpes suíços. Restabelecendo-se no interior de São Paulo da crise de hipertensão que o acometeu na última terça-feira, não pôde comparecer. Em seu lugar para receber a honraria, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, encarregou-se também de ler o discurso que o presidente faria na ocasião.

Davos, como se sabe, é um gênero de Meca para a qual acorre todos os anos a nata do mundo capitalista, desde governantes das economias livres do Ocidente até os maiores banqueiros. Logo, a solenidade teria se revestido de simbolismo ainda maior se o troféu tivesse sido recebido pelas mãos do metalúrgico e sindicalista da esquerda radical que construiu sua carreira política sob a bandeira do partido que fundou, cujo discurso defende que o socialismo – a antítese do capitalismo – seria o melhor caminho para promover a felicidade geral.

Mudaram os capitalistas ou mudou Lula? O cenário torna a pergunta pertinente – mas as respostas podem estar presentes no próprio discurso lido por Amorim. Nele, o presidente não deixa, coerentemente com seu passado, de criticar o capitalismo financeiro e de defender o papel do Estado na economia. E, claro, pediu mudanças profundas na ordem econômica global, de modo a priorizar a produção e não a especulação. Nesse caso, pode-se afirmar que não foi Lula quem mudou.

"O Brasil provou aos céticos que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza" – afirmação que, de tão genérica ou quase óbvia, não chega, contudo, para provar que Lula, na prática, tenha mantido a velha fé no socialismo. Combater a miséria é o que, em tese ou no fundo, busca também o capitalismo. Mas lembrou que nesses seus sete anos de governo conseguiu fazer com que 20 milhões de pessoas saíssem do estágio de pobreza absoluta ao mesmo tempo em que o país reduzia o endividamento externo e se tornava credor do FMI.

Certo: os recursos do Bolsa Família, distribuídos a milhões de desprovidos país afora, certamente os tirou da condição que os acadêmicos classificam de miserável. Uma obra que, reconheça-se, extraordinária não só pelo sentido humanitário de dar combate à fome, mas também por seus efeitos multiplicadores, na medida em que estimula o consumo, movimenta o comércio, incentiva a indústria e, consequentemente, transforma-se em instrumento de criação de empregos.

Isso não é, ainda, necessariamente, socialismo na acepção ideológica do termo. Mais se aproxima de uma ação assistencialista, algo com que, aliás, não é exatamente o que o socialismo prega. Assim, se foi pelos avanços sociais que o governo de Lula mereceu ser lembrado para receber o título de "Estadista Global", a razão profunda da homenagem encontra amparo menos na teoria econômica do que como reconhecimento pelos bons resultados de uma política humanitária.

Por que, então, os capitalistas premiaram o presidente brasileiro? Eis um dos motivos que o próprio Lula cita em seu discurso: o Brasil caminha hoje para ser, dentro de uma década, a quinta maior economia do mundo. Muitos enxergam tal grandiloquência como mais uma daquelas lendas urbanas que o futuro trata de desmistificar, tantos são ainda os desafios, principalmente na área da infraestrutura, que o país precisa vencer para se tornar realmente competitivo e pronto para o crescimento.

Outros, no entanto, concordam com a previsão – desde que os próximos presidentes, assim como o fez Fernando Henrique Cardoso e seu sucessor, que pouco mudou, mantenham o receituário nitidamente capitalista (quase neoliberal!) que governou a economia brasileira nestes últimos 15 anos: estabilidade monetária a qualquer custo via controle dos juros, prestigiamento ao Banco Central, incentivo à abundância de crédito e ao consumo, câmbio livre, estímulo às exportações...

É esta política conservadora conduzida por Lula – a despeito do que pensam seus próprios companheiros – que está levando o Brasil a ser olhado com bons olhos pelos banqueiros e capitalistas em geral, estes que estão reunidos em Davos para, entre outras coisas, conceder o prêmio ao nosso presidente.

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