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A cada quatros anos de mandato nossos congressistas trabalham praticamente apenas três anos e meio, porque, em ano eleitoral, voltam suas atenções para a reeleição, o que reflete diretamente na análise e na votação de assuntos da agenda pública brasileira. Esse é um costume cíclico de nossos senadores, deputados federais e estaduais, que interfere de forma incisiva na vida política do país. Diversos temas importantes correm o risco de não serem votados por causa do recesso branco, dado o curto espaço de tempo para se apreciarem as propostas. E, mesmo que essas propostas sejam votadas, as discussões sobre elas, de alta relevância, ficam pre­­judicadas, pois os congressistas tendem a apressar as votações para que os temas sejam aprovados rapidamente.

Reportagem da Gazeta do Povo publicada na terça-feira mostrou que senadores e deputados federais encaixarão 15 semanas de trabalho em duas. Ou seja, em 14 dias pretendem apreciar pelo menos dez propostas de conteúdo extremamente relevante. Entre eles, encontram-se o polêmico projeto de lei do Código Florestal, que vem sendo criticado por ambientalistas; a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece um piso nacional para policiais e bombeiros; e a PEC do Trabalho Escravo, que determina a expropriação de terras sem direito à indenização. Um tema de extremo interesse da comunidade paranaense, a criação de um Tribunal Regional Federal no estado, também está ameaçado pelo recesso branco e pode não ser votado ainda neste ano.

Fácil de perceber que esses temas merecem um tratamento adequado dos nossos parlamentares e, portanto, devem ser analisados com profundidade. Para isso há ainda praticamente seis meses neste ano. Os interesses particulares eleitorais de nossos representantes não justificam o trabalho apressado de apenas duas semanas. Afinal, deputados foram eleitos para quatro anos de mandato, e senadores, para oito. São pagos para representarem a sociedade integralmente nesse período. Não podem simplesmente "apressar votações" para saírem em campanha eleitoral. O recesso branco, como se conclui, é mais uma das distorções que o Congresso Nacional precisa corrigir.

Além disso, a proximidade das eleições acaba influindo na escolha dos temas que deverão ser votados no Congresso Nacional. Matérias que garantem voto devem ter aprovação fácil dos parlamentares. Isso deve ocorrer com projetos de alta relevância para toda a sociedade – como a PEC da Juventude, que incentiva a implantação de políticas públicas para jovens – que devem ser rapidamente aprovados. Porém alguns temas que podem trazer benefícios para parlamentares, como a PEC dos Cartórios, cujo teor é questionado pelo Con­­se­­lho Nacional de Justiça (CNJ), mereciam ser amplamente debatidos.

Além de permanecer atenta ao reduzido pe­­ríodo de votações do Congresso, neste semestre, a sociedade terá de vigiar de perto o uso que será feito dos recursos destinados aos parlamentares para gastos de atividades de representação parlamentar – as chamadas verbas indenizatórias. A mesma vigilância será necessária na Assembleia Legislativa do estado, pois, afora o esvaziamento dos parlamentos, há sempre o risco de ocorrerem desvios de finalidade dos recursos das casas le­­gislativas – recursos públicos que deveriam ser direcionados para atividades parlamentares serem usados para fins de reeleição.

Enfim, como se observa, o período eleitoral expõe o realismo político em nosso país. Os interesses da sociedade são relegados a trabalhos que duram apenas duas semanas no Congresso Nacio­­nal, o que leva ao questionamento da demora da Câmara e do Senado em períodos não eleitorais, em que as discussões e votações se estendem por meses. Esse comportamento impõe um preço muito caro à sociedade, que, como dito antes, corre o risco de ver projetos importantes não serem votados ainda neste ano, ou, então, se forem votados, isso ocorrer sem o necessário debate aprofundado. Há ainda a necessidade de vigilância redobrada por parte dos cidadãos, a fim de que não haja uso irregular de verbas indenizatórias. Obviamente, nada disso faz bem à democracia brasileira. Mas a questão que fica é como essa cultura poderá vir a ser mudada, para que possamos melhorar a qualidade de nossa cultura política.

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