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Em condições normais, parlamentares já exercem o seu trabalho de forma a dar inveja a qualquer trabalhador brasileiro que precise labutar de segunda a sexta-feira, das 9 às 18 horas. Mas, em 2014, a desfaçatez está superando limites. Os parlamentares já se haviam dado uma folga generalizada para que pudessem assistir em paz aos jogos da Copa do Mundo (que pelo menos coincidiu com as festas juninas, outra ocasião em que os congressistas deixam os plenários da Câmara e do Senado às moscas), mas, assim que a bola parou de rolar, apareceu outro motivo para abandonar a já curta rotina de votações e debates que constituem parte importante do trabalho em Brasília. E, dessa vez, atropela-se inclusive a Constituição.

A situação é bem simples: como a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2015 ainda não foi votada, os congressistas estão impedidos de entrar em recesso oficial. Mas, como bem sabemos, estamos em época eleitoral, período no qual muitos parlamentares colocam seus interesses pessoais acima dos interesses do país – ou pelo menos deixam mais explícitas suas prioridades. Tempo gasto em Brasília discutindo e votando o orçamento do ano que vem é tempo que poderia ter sido gasto percorrendo seus estados e fazendo campanha.

Ora, se não pode haver recesso formal, faça-se o recesso informal. Tanto a Câmara quanto o Senado recorreram à mesma manobra: praticamente abolir as sessões deliberativas (aquelas em que há votação) até outubro. Os deputados aprovaram um requerimento determinando que não haja votações até o dia 31 de julho – o recesso oficial, caso houvesse, deveria ter começado ontem e terminaria no fim do mês. O Senado nem isso fez. O presidente da Casa, Renan Calheiros, deve convocar apenas duas sessões deliberativas, em 5 e 6 de agosto, e só (na Câmara, serão dois dias de votação em agosto e dois em setembro). De resto, os dias serão preenchidos por "sessões de discursos".

Resta saber quem discursará e quem ouvirá, pois ninguém é obrigado a comparecer a essas sessões. Como o corte de salários só ocorre para quem falta às sessões deliberativas, os R$ 26,7 mil mensais estão garantidos na conta, desde que o parlamentar se apresente nas raras datas em que sua presença for necessária para o chamado "esforço concentrado", apelido dado à tentativa de analisar apressadamente vários projetos que, em condições normais, seriam apreciados com o tempo devido, especialmente quando se trata de temas importantes – no Senado, por exemplo, estão parados projetos como o do Super Simples Nacional e mudanças na Lei de Licitações.

Calheiros ainda tentou dar ares de normalidade à situação. "Não há recesso branco porque o Congresso continuará funcionando. Vamos é compatibilizar o funcionamento do Congresso com a realização das eleições. O que não haverá é ordem do dia", disse, mal tentando disfarçar a constatação de que não haverá trabalho algum por parte de parlamentares – representantes que, lembremos, foram eleitos para trabalhar por um mandato integral, sem folgas autoconcedidas sempre que a situação se mostra oportuna.

Para bancar as campanhas, além de recursos próprios, os partidos contam com o Fundo Partidário, constituído por verba pública e reforçado até mesmo pelas próprias multas pagas pelos partidos que cometem infrações eleitorais, em um curioso caso de retroalimentação. Mas, quando o cidadão paga quase R$ 13 milhões mensais a pouco menos de 600 parlamentares para que simplesmente não trabalhem, e em vez disso busquem sua reeleição ou outros cargos em disputa em outubro, está também financiando suas campanhas. Triste é perceber que os beneficiários não apenas consideram essa situação absolutamente normal, como também até a veem como um direito seu.

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